29 outubro, 2016

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (LIV)

Cada vez mais me surpreendo com a natureza humana. Especialmente com os que tem uma síndrome de Estocolmo latente.
Pai dos burros da internet, também conhecido como Wikipedia

Síndrome de Estocolmo ou síndroma de Estocolomo (Stockholmssyndromet em sueco) é o nome normalmente dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor. De um ponto de vista psicanalítico, pessoas que possam ter desenvolvido ao longo de experiências na infância com seus familiares ou cuidadores, algum traço de caráter sádico ou masoquista implícito em sua personalidade, podem em certas circunstâncias de abuso desenvolver sentimentos de afeto e apego, dirigidos a agressores, sequestradores, ou qualquer perfil que se encaixe no quadro geral correspondente a síndrome de Estocolmo. Há também a possibilidade, amplamente considerada, de que para algumas pessoas vítimas de assédio semelhante, possam desenvolver algum mecanismo inconsciente irracional de defesa, na tentativa de projetar sentimentos afetivos na figura do sequestrador ou abusador que possam "amenizar" ou tentar "negociar" algum tipo de acordo entre a relação vítima/agressor na tentativa de reduzir a tensão entre os entes envolvidos.
De uma forma geral, estes processos psíquicos inconscientes e sua relação entre vítima/agressor, podem perfeitamente ser entendidos em uma ampla gama de contextos onde a situação de agressor e abusado se repete. Inclusive no caso de mulheres que sofrem agressão por parte dos cônjuges e mesmo muitas vezes tendo recursos legais e apoio familiar para abandonar o agressor, ainda persistem em conviver sob a atmosfera de medo.

O caso não é propriamente desta síndrome. Mas tratamos de algo bem parecido: a identificação de membros de grupos sociais com seus inimigos ou detratores e suas opiniões.
Já vimos a mulher machista. Já vimos o negro racista (aquele tal de Fernando Holiday, membro do MBL – Movimento Brasil Livre, que debochados começam a chamar de "Movimento dos Bundões Livres"... – recém-eleito vereador em São Paulo pelo DEMO, que é contra as cotas raciais). E já vimos o pobre de direita.
Agora, temos (e desde já, mil desculpas aos movimentos LGBT pelo termo um tanto ofensivo, mas por increça que parível ele é adequado ao assunto) a bicha homofóbica.
Era uma vez um rapaz chamado Cláudio Botelho, natural de Araguari, MG, que adorava teatro musical. A sua ficha está aqui na Enciclopédia do Itaú Cultural:

Cláudio Botelho (Araguari MG 1964). Diretor, ator, compositor e autor teatral. Um dos nomes mais requisitados na área do teatro musical. Destaca-se por suas versões de musicais americanos e pela criação de espetáculos biográficos de grandes intérpretes da música brasileira.
Nascido em Minas Gerais, muda-se para o Rio de Janeiro e, em 1983, se forma como ator na CAL - Casa das Artes de Laranjeiras.
Antes de começar a criar seus próprios musicais, Cláudio Botelho integra o elenco de uma série de espetáculos do gênero: Hello Gershwin, de George Gershwin, 1991, De Rosto Colado, de Irvin Berlin, 1993, dirigidos por Marco Nanini; Fred e Judy (As Canções de Fred Astaire e Judy Garland), 1995; Os Fantástikos, de Schmidt & Jones, 1996; Sondheim Tonight - show com as canções do grande gênio da Broadway, Stephen Sondheim; Na Bagunça do Teu Coração, de João Máximo e Luiz Fernando Vianna, 1997. Em 2000, atua em Musicais in Concert - espetáculo comemorativo de 10 anos da dupla Cláudio Botelho e Claudia Netto. Trabalha como ator em vários dos espetáculos de que participa como compositor, diretor ou produtor.
Sobre Na Bagunça do Teu Coração, a crítica Barbara Heliodora escreve em O Globo: "Após cerca de 6 anos de viagem por vários compositores americanos, finalmente Claudia Netto e Cláudio Botelho realizam seu sonho de chegar a um musical de bolso com canções de Chico Buarque (...) O musical de bolso Na Bagunça do Teu Coração (uma história de amor contada pelas canções de Chico Buarque) é mais um passo vitorioso dado a caminho de um teatro brasileiro que faça bom uso de nossa grande riqueza musical (...) com gosto de delicioso ineditismo".¹
Cláudio Botelho estréia como diretor musical em As Malvadas, 1997, um tributo ao repertório das comédias musicadas no espírito do show business, que inclui de Gershwin a Roberto Carlos, com roteiro de Charles Möeller. Em seguida vem O Abre Alas, de Maria Adelaide Amaral, 1998, em que Rosamaria Murtinho vive Chiquinha Gonzaga; Cole Porter - ele nunca disse que me amava, 1999; Um Dia de Sol em Shangrilá, 2001; e Cristal Bacharach, 2004, todos escritos e dirigidos por Möeller.
Como tradutor de musicais, assina Candide, opereta de Leonard Bernstein, 2000, com direção de Jorge Takla; O Fantasma do Teatro, adaptação da obra de Justin Locke, 2002; Tudo É Jazz (The World Goes Round), concebido por Scott Ellis, Susan Stroman e David Thompson, 2004; Lado a Lado com Sondheim, músicas e letras de Stephen Sondheim, 2005; Sweet Charity, de Neil Simon, baseado no filme Noites de Cabíria, de Federico Fellini, encabeçado por Claudia Raia, 2006, todos com direção de Charles Möeller.
A crítica de O Globo, Barbara Heliodora, escreve a respeito de Tudo É Jazz: "Adotando o mesmo critério usado em seu espetáculo sobre Cole Porter, a notória facilidade de Cláudio Botelho para traduzir letras de música é posta para trabalhar, em todos os casos de músicas menos conhecidas (...) que são cantadas em português, e sempre com a surpreendente habilidade de servir o que diz o original, em termos de emoção, humor, ironia ou o que seja".²
Botelho também faz a versão musical de O Beijo da Mulher Aranha, baseado no romance homônimo de Manuel Puig, adaptação de Terrence McNally, 2000; realiza a pesquisa do repertório de Suburbano Coração, de Naum Alves de Souza, 2002; traduz Magdalena, para a primeira montagem brasileira do musical de Heitor Villa-Lobos, 2003; elabora o roteiro e texto de Lupcínio e Outros Amores, 2004.
Recebe os prêmios Sharp de melhor musical por As Malvadas e Mambembe pelo conjunto de seus trabalhos em 1999; Governo do Estado do Rio de Janeiro por Cole Porter, 2000; e Shell 2004 pelas versões para o português do musical Tudo É Jazz! (The World Goes Round), de John Kander e Fred Ebb. O musical Sweet Charity recebe o Prêmio Qualidade Brasil 2006 como melhor espetáculo teatral musical e melhor direção de espetáculo teatral musical para Charles Möeller e Cláudio Botelho.
Em 2007 estréia o musical Sassaricando, de Sérgio Cabral e Rosa Maria Araújo, sob a sua direção cênica e com cenografia de Charles Möeller, espetáculo de sucesso em que 102 marchinhas de carnaval, compostas entre 1920 e 1970, contam a história do Rio de Janeiro.
Notas
1. HELIODORA, Barbara. Desencontros Amorosos em Sintonia. O Globo, 23 jan. 1998.
2. HELIODORA, Barbara. Da Broadway para o Leblon, as décadas de ouro do Jazz. O Globo, 21 jan. 2004

(Para registro: eu sou do tempo em que Cláudio Botelho e Cláudia Netto fizeram vários musicais de bolso em cima destes grandes nomes da música. Alguns foram gravados para a antiga TV Educativa-RJ, hoje TV Brasil, e, para o meu gosto pessoal, o meu favorito é um musical dedicado a Kurt Weill, que falou tanto de sua fase alemã e sua parceria com Bertolt Brecht, quanto de seu trabalho na Broadway – sabem como é: quem tinha todos os neurônios em ordem e funcionando perfeitamente não ia ficar na Alemanha levantando o braço para aquele gay enrustido chamado Adolf Hitler...)

Em suma: ninguém em sã consciência pode tirar a importância da dupla Moeller & Botelho para o teatro musical brasileiro. E eles, certamente, tem orgulho e consciência disso.
O problema é que ter orgulho e consciência de sua importância não dá a ninguém o direito de falar (com o perdão do termo) merda a torto e a direito... ou melhor, a torto e a mais torto ainda. Ainda mais quando a merda sai sem pensar – sim, porque parece que virou hábito falar antes de pensar (antigamente fazia-se o contrário...) – e com os nervos a dez mil por hora, colocando ódios para fora.
E parece que o nosso amigo Cláudio Botelho ainda não aprendeu a lição.
Em março deste ano, antes do golpe que tirou a presidente Dilma Rousseff do poder (e não adianta discutir: FOI GOLPE SIM! "Impeachment constitucional" – com base em um "crime de responsabilidade" que, logo depois do golpe, foi legalizado por uma lei que beneficiou o traíra Michel 14% Temer – É O CACETE!), Botelho fez um "caco" (pra quem nunca foi ao teatro ou nem é de teatro: improviso enxertado no texto) criticando o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma. Diz o respeitável público que o caco foi mais ou menos assim: "Era a noite do último capítulo da novela das oito. Era também a noite em que um ladrão ex-presidente talvez tenha sido preso. Ou uma presidente ladra recebeu o impeachment?" Um público coxinha acharia muito engraçado. Só que Botelho não sacou muito bem quem era o seu público naquela noite. A plateia do musical reagiu com vaias e gritos de "não vai ter golpe!"; Botelho ficou irritado (no início de seu ataque de pelanca) e retrucou: "Vocês não são obrigados a ver a peça, pode pegar seu dinheiro de volta!". Foi o que o público fez: saiu da plateia e foi-se embora do teatro. O espetáculo foi interrompido e não foi finalizado. A baixaria continuou no camarim, com uma discussão entre Botelho e Soraya Ravenle: Soraya diz que não concorda com Botelho e que ele "tocou na ferida que está aberta a semana inteira". Mas Botelho berra: "são neofacistas, são escrotos, são petistas, são o que há de pior no Brasil" e destila um racismo que ninguém esperava dele: "Essa gente chega e peita um ator que está em cena. Um ator que está em cena é um rei, não pode ser peitado. Não pode ser peitado por um negro, por um filho da puta que está na plateia. Eu estava fazendo uma ficção." Quando Chico Buarque soube da confusão e o motivo dela, informou a quem interessar possa que não iria mais autorizar o uso de suas canções em trabalhos futuros de Botelho, que acabou se desculpando pelo ocorrido:
 
"Por ter sido duro, descortês, arrogante e destemperado (o momento era muito inflamado), peço desculpas a todos que ouviram aquele Claudio Botelho sem compostura."

Perguntinha inocente: adiantou?
Adiantou aquele Cláudio Botelho "duro, descortês, arrogante e destemperado" e "sem compostura" se desculpar naquele momento?
Parece que não.
Porque ele voltou do mesmo jeito: "duro, descortês, arrogante e destemperado", "sem compostura"... e agora transfóbico. (Não deveria, já que Cláudio, segundo informações não confirmadas, é gay.) E voltou ainda mais pesado.
Desta vez, a coisa começou quando Claudio Botelho e seu parceiro de trabalho Charles Möeller assistiram uma adaptação televisiva do musical The Rocky Horror Picture Show, exibida pelo canal americano Fox na semana anterior. (Para registro: a Möeller & Botelho está montando o mesmo musical teatral no Brasil – com certo atraso, diga-sede passagem, em relação a uma turma de alunos de Artes Cênicas da ECA-USP, que em 2005 fez uma montagem – ao meu ver – irreverentemente irretocável – e não gostaram muito.
Até aí, morreu Neves: gosto não se discute.
Mas-porém-todavia-contudo, Claudio implicou especialmente com a escalação da atriz Laverne Cox para o papel de Dr. Frank-N-Furter. (Para quem voltou de Marte ontem: Laverne Cox é uma atriz transgênero, que ficou planetariamente conhecida por seu papel na série da Netflix Orange is the new black.)
Até aí, mais uma vez morreu Neves: gosto não se discute.
O problema é quando este gosto pessoal se transfigura em um discurso "duro, descortês, arrogante e destemperado", "sem compostura" e cheio de ódio e raiva. Leiam as gracinhas do doutor Botelho, mas não se esqueçam de seu sal de frutas:
"Na Disney tem essas trans também? Eles vão refilmar Branca de Neve? Eu queria sugerir um garoto aqui do meu prédio que é bicha, mas a mãe acha que pega mal, então estão inventando que ele é TRANS, porque diz que é a mesma coisa que bicha, mas é chique. Ele é bem bonito, mas a única música que ele ouve, com 15 anos, é um disco de uma tal de Selena. Tá?".

Tomaram seu sal de frutas? Vão precisar de mais. Adiante:

"Gente, esse tipo de coisa tá se propagando porque os pais não batem mais nos filhos. Falta surra! Só que se um pai vai e bate numa LaverME dessas, vem uma entidade de direitos de bichas e diz que ela é uma alma de mulher presa num corpo de homem? Heinnnnnn? E eu que sou uma alma de loiro e olho azul perdido num corpo de mineiro do interior há cinquenta anos e ninguém me defendeu nunca? Eu não tenho direitos humanos? Como eu disse: se o pai bate, elas pelo menos sabem que é errado e vão dar pro amiguinho da escola pra se vingar, não ficam inventando que são trans, se dedicam logo a arrumar homem e param de querer holofote. Holofote é pra Judy [Garland], Barbra [Streisand] e pra Rogéria, o resto é bicha drogada de festa rave”.

Ficando entre si, ou numa conversa de botequim pé-sujo, não ia ter repercussão. O problema é que neguinho (inclusive Botelho) prefere trazer suas besteiras de botequim pé-sujo para o Facebook. 
Claro que a geral, com os neurônios funcionando perfeitamente, não gostou e esculachou Botelho, que apagou sua postagem. Só que tarde demais: alguém printou e lançou na internet.

claudio-botelho-comentarios

A merda, mais uma vez, estava feita. E, mais uma vez, Cláudio Botelho veio a público se desculpar. (Os grifos são meus.)

NOTA DE ESCLARECIMENTO.
Há dois dias fiz comentários no Facebook, não em minha página pessoal, mas dentro do post de um amigo onde havia um pequeno debate sobre a escalação da nova versão de ”Rocky Horror Show” produzida por um canal de televisão.
Meus comentários eram todos em tom de brincadeira. Resultaram, no entanto, como expressão de intolerância, uma vez retirados do contexto. Mas o contexto era uma discussão livre sobre o que os fãs do célebre musical inglês acham da escalação de um ator transexual para o papel de principal do show. Havia quem achasse adequado. Outros, como eu, não acham.
Minhas palavras ali dizem respeito somente àquela escalação. E como eu disse, são em tom de piada, de brincadeira, de troça. Nada mais que isso. Tirá-las do contexto daquele post específico e lançá-las como máximas do meu pensamento particular é como retirar um quadro de humor de um programa de tv de sábado à noite e torna-lo notícia num telejornal de segunda-feira.
Sinto imensamente que minhas palavras, repito, totalmente em tom jocoso e de piada, possam de alguma forma ter ferido ou no mínimo magoado quem quer que seja. Meu apreço por artistas em geral, sejam eles homossexuais, transexuais, heterossexuais, transgênero, ou o que quer que seja, é o apreço que tenho pelo Teatro, onde construí uma carreira de 30 anos de trabalho nos quais jamais escondi minha própria orientação sexual.
Compreendo ainda assim que o momento não é propício para qualquer tipo de brincadeira, gracejo, piada ou arremedo sobre qualquer assunto que se refira a identidade sexual, seja ela qual for, especialmente as que envolvem minorias. Assumo como falta de percepção e de sensibilidade ter agido sob o espontâneo clima de um bate-papo no Facebook, sem levar em conta a dimensão negativa que um comentário assim, desconectado de seu contexto pode atingir quem de mim só merece respeito, reverência, admiração.
Peço portanto as mais sinceras desculpas a quem quer tenha se sentido ofendido pelo que falei naquele contexto. Não foi minha intenção ferir qualquer grupo ou indivíduo; se o fiz, foi por descuido e pouco tato de minha parte.
Atenciosamente,
Claudio Botelho.

Vamos ver todos os bagulhos do negócio.

"Meus comentários eram todos em tom de brincadeira."
"E como eu disse, são em tom de piada, de brincadeira, de troça. Nada mais que isso. "
"(...) totalmente em tom jocoso e de piada."
"(...) foi por descuido e pouco tato de minha parte."

Noves fora a última frase – prima-irmã do "Por ter sido duro, descortês, arrogante e destemperado" – Botelho acabou de prestar um favor a todos os homofóbicos: dar uma boa desculpa (só que não...) para quando eles ofenderem, agredirem (seja com lampadadas na fuça, seja a pau mesmo) ou matarem (a tiro, porrada e bomba) gays, lésbicas, travestis ou transgêneros.
"Ah, cara, não exagera! É só a opinião dele, é o gosto dele!", dirá alguém que lê este texto.
Pense nisto que eu vou lhe dizer: eu não gosto de jiló. Melhor dizendo: eu ODEIO jiló. E não entendo quem goste de comer jiló cozido – ou seja, o jiló amargo toda a vida. (Sério: tem masoquistas que gostam...)
Agora, só por não gostar de jiló vou proclamar que todos os plantadores de jiló e todos os que comem jiló devem levar uma surra? Ou mesmo morrer?
E, por mais que gays não gostem de lésbicas, e os dois não gostem de transgêneros (discussão que sempre se dá em grupos LGBT) – tal gosto não pode chegar às raias da briga ou mesmo da discriminação (e aí é que entra a minha referência á síndrome de Estocolmo), pois isso divide e muito o povo LGBT na luta por seus direitos – e,claro, só ajuda aos esforços discriminatórios de bolsonaretes, malafaietes, felicianetes et caterva.
E, já que você, Cláudio Botelho, fala muito de uma de suas paixões – Judy Garland (o que, para certas pessoas, só prova que você é gay, já que ela é uma das divas LGBT do século que passou) – preciso lembrar-lhe de uma coisa: fora das telas, Judy vivia num mundo á parte dos outros, onde podia ser "dura, descortês, arrogante, destemperada, sem compostura", onde podia atacar os outros e lhes colocar a culpa por sua dependência de álcool e drogas e por sua autodestruição – Judy morreu em 1969, aos 47 anos, parecendo ter setenta.
Se você, caro Cláudio Botelho, se tornará futuramente um patrimônio do teatro brasileiro (assim como Judy Garland é um patrimônio do século XX), isso eu não sei. Por enquanto, sua falta de humildade e seu descontrole emocional, que estão mais do que claros, parecem não prejudicar sua carreira. Mas, e no futuro? Há o risco de se prestar mais atenção ao seu temperamento "duro, descortês, arrogante e destemperado" do que ao seu trabalho, e ao que você pode nos legar como herança para o teatro musical brasileiro. E isso pode te levar a uma autodestruição parecida com a de Judy Garland. Torço muito para estar errado, mas disso não há a menor dúvida.

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Por falar em destemperos, já que supunhetamos no assunto (© mestre Aldir Blanc), alguém que se identifica no Facebook como UFMG-VSF (UFMG = Universidade Federal de Minas Gerais; VSF = um xingamento mais do que óbvio – dããã...) mandou o seguinte recado ligeiramente homofóbico:




UFMG-VSF 01

Ah, pra quê? A geral feminina não perdoou.


UFMG-VSF 02


UFMG-VSF 03


UFMG-VSF 04

Esse discurso irônico das meninas não nos é estranho, né?
Claro: geralmente é o mesmo discurso que machistas porco-chauvinistas, misóginos e fãs de Jair Besteiraro e Marco Feliciânus costumam dizer quando uma mulher é estuprada. Já comentei aqui nesta séria série algumas das brilhantes ideias de Feliciânus a respeito do estupro e da cultura do estupro, como estas:
"Moro em uma casa com seis mulheres, minha mãe, minha esposa, minha sogra, minhas três filhas. E sempre ensinei às minhas mulheres que deem respeito para que sejam respeitadas."

Traduzindo: a vítima de um estupro é que "deveria se dar ao respeito", e se foi estuprada é porque provocou. Já o estuprador não precisa se dar ao respeito.
E aquelas ideias misóginas metidas na cabeça de vários homens de que a mulher não é uma pessoa, mas um objeto que ele deve pegar a hora – tipo o jenial (assim mesmo, sr. revisor, obrigado) comentário de Kimta Katiguria... digo, Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL – Movimento dos Bundões Livres:: "Sabem as semelhanças entre as feministas e o miojo? Ficam prontas em 3 minutos e são comida de universitário."

kimta katiguria as universitarias e o miojo
Taí a prova da "grande sapiência" de Kimta Katiguria...

Pois não é que as respostas das moças a UFMG-VSF lembram a seguinte historinha irônica que republico abaixo?

HOMEM - Olá. Eu gostaria de registrar um assalto.
POLICIAL - Um assalto, é? Onde aconteceu?
HOMEM - Eu estava andando pela Rua X quando um homem sacou uma arma e disse: "Passa a grana! Passa a grana!"
POLICIAL - E você passou o dinheiro todo para ele?
HOMEM - Sim.
POLICIAL - Então você, por vontade própria, deu seu dinheiro ao homem sem resistir, chamar ajuda ou tentar escapar?
HOMEM - Bem... sim... mas eu estava apavorado... Achei que ele fosse me matar.
POLICIAL - Sei... Só uma coisa... por um acaso, o senhor é filantropo, você costuma doar dinheiro para a caridade?
HOMEM - Sim, doo dinheiro para um orfanato, para o Criança Esperança...
POLICIAL - Então você tem o hábito de dar dinheiro para os outros, você gosta de dar dinheiro para os outros.
HOMEM - Mas o que isso tem a ver com o assalto?
POLICIAL - Simples... Você conscientemente desceu a Rua X, vestindo um terno... todo mundo sabe que você gosta de doar seu dinheiro... e mais, você não tentou resistir. O que acontece é que você deu seu dinheiro a alguém, mas agora está arrependido, está com um arrependimento pós-doação.
HOMEM - Mas isso é...
POLICIAL Me diga uma coisa... você realmente quer arruinar a vida dele por causa de um erro seu?
HOMEM - Mas isso é o cúmulo do absurdo!
POLICIAL - Não, senhor. Essa é uma analogia com o estupro. Isso é o que mulheres encaram todos os dias quando tentam levar estupradores para a justiça.

Simples assim: troque "assalto" por "estupro" e você vai entender o que mulheres vítimas de estupro sofrem por machismo e misoginia alheias, espalhadas pela cultura do estupro – que Marco Feliciânus diz que "não existe"...

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Ah, sim, uma última informação a respeito de cultura do estupro, direto do HuffPost:
 
Após cumprir um ano e meio de suspensão por ser acusado pelo Ministério Público de dopar e estuprar estudantes, o aluno da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Daniel Tarciso da Silva Cardoso, vai se formar.
Cardoso já cumpriu todos os créditos exigidos na graduação, mas estava suspenso desde 2014. Ele foi o único aluno que sofreu punição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trotes . A CPI, que durou de dezembro de 2014 a março de 2015, apurou casos de violações de direitos humanos em instituições de ensino paulistas.
Agora, que já cumpriu sua suspensão, o aluno poderá colar grau.
Cardoso é acusado de ter estuprado, ao menos, três estudantes, de acordo com o UOL. Um destes casos virou processo, que tramita em segredo na Justiça de São Paulo. Ele é acusado de estuprar uma estudante de enfermagem durante a Med Pholia, uma festa tradicional promovida por estudantes de medicina, em 2012.
A vítima conta que, depois de tomar um drinque oferecido por Cardoso, perdeu os sentidos e foi levada por ele até a Casa do Estudante, um alojamento onde ficam os alunos onde foi estuprada. A estudante teria acordado com Cardoso em cima dela e, em depoimento, disse que gritou muito e tentou escapar, mas não conseguia, porque ele aplicou golpes de judô.
Além das acusações, o estudante de medicina já matou a tiros um homem durante o Carnaval em 2004. Cardoso, que foi policial militar entre 2004 e 2006, alegou que a briga teria começado porque a vítima se insinuou para ele.
Como o crime foi praticado quando estava em horário de folga, o ex-pm acabou processado pela Justiça comum. Ele foi condenado a um ano de reclusão. Houve recurso e o Tribunal de Justiça decidiu extinguir a pena, em agosto de 2012. Em 2008, ele pediu exoneração da PM.
Professoras protestam decisão
Professoras e pesquisadoras da Rede Não Cala USP, movimento criado para amparar vítimas de violência sexual e denunciar casos de estupro e abuso sexual, divulgaram uma nota de repúdio à decisão de deixar Daniel colar grau.
"Em 2016, o aluno está prestes a se formar. Entendemos que a apuração realizada pela Faculdade de Medicina optou por aplicar uma suspensão e aguardar o resultado do processo jurídico. Entretanto, tendo em vista a experiência de algumas de nós na realização de pesquisas na área, bem como nossa própria condição feminina, sabemos que as palavras das mulheres têm valor e precisam ser muito mais consideradas", disse a nota.
"Temos plena convicção de que a USP não pode correr o risco de diplomar alguém que pode ser um agressor, ainda mais para o exercício de uma profissão destinada ao cuidado, como é o caso da Medicina."
Segundo a nota, ao se omitir por medo de cometer uma injustiça com o agressor, a USP está cometendo uma injustiça com as vítimas. "Do ponto de vista institucional, precisamos também indagar o que compromete mais o nome da Faculdade: revelar tais casos ou proteger quem cometeu uma agressão? Além deste caso, muitos outros tramitam na Universidade ou acontecem e não são denunciados, por diversas razões - por medo, descrença na efetividade da ação institucional, predomínio da impunidade em casos de violência no país."
 
O grupo de professoras também exige a revisão da destituição da médica Maria Ivete Castro Boulos, que foi afastada no último dia 14, por e-mail, do cargo de coordenadora do NEADH (Núcleo de Estudos e Ações em Direitos Humanos) da FMUSP, órgão responsável por acolher vítimas de violência sexual.
Maria Ivete estava desde fevereiro deste ano à frente núcleo criado após a revelação de diversos casos de estupro na Universidade durante a CPI dos Trotes. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, a médica tinha mandato garantido até 2017, mas foi substituída pelo professor emérito Dario Birolini, especializado em cirurgia.
Uma das ações de Maria Ivete foi solicitar à Comissão de Direitos Humanos da USP que impedisse Daniel Tarciso da Silva Cardoso de realizar a última prova que precisava para concluir o curso e se graduar.
Outro lado
Procurada pelo UOL, a Faculdade de Medicina da USP afirmou que o aluno "cumpriu integralmente a punição de um ano e meio que lhe foi imposta pela universidade" e que está seguindo a decisão da Procuradoria Geral da USP.
Também procurado pela reportagem, o advogado do estudante, Daniel Alberto Casagrande, diz que as acusações de estupro não são verdadeiras.
"Foram instaurados três procedimentos apuratórios na FMUSP e nenhum deles reconheceu a ocorrência de estupro", afirma Casagrande. "A suspensão das atividades acadêmicas se deu por outros fatos, não pelo estupro. Há um processo criminal em andamento que, por tramitar sob sigilo, não pode ser comentado."
O HuffPost Brasil entrou em contato com a USP, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem. Daniel Alberto Casagrande não foi encontrado pelo portal para comentar sobre o caso.

Como será a futura ação do doutor Dario Birolini à frente do NEADH (Núcleo de Estudos e Ações em Direitos Humanos) da FMUSP, no lugar da professora Maria Ivete Castro Boulos?
Que tal este post do doutor Birolini em seu facebook para demonstrar?

bruxa é a sua mãe

Como ex-mestrando da USP (a quem sempre encarei como um templo da inteligência), gostaria de deixar a seguinte pergunta: como é que alguém que posta um meme desrespeitoso no Facebook pode ser coordenador de um núcleo dedicado ao apoio à mulher? E não me venha dizer que é apenas uma opinião política: pessoas inteligentes podem muito bem discordar politicamente ou mesmo fazer oposição sem ofender seus adversários pessoalmente. Ou será que isso não é mais aceito?
Se o dr. Birolini não sabe separar discordância política de respeito pessoal... e se todas as pessoas atingidas nesse meme são mulheres... bem, dá para entender o cortado brabo que esperam todas as mulheres vítimas de violência na Faculdade de medicina da USP.
E dá para entender que a tal cultura do estupro não é invenção: é real.

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E agora, a nossa indicação para esta séria série: Curva (Gypo – Reino Unido, 2005), de Jan Dunn (13º Mix Brasil, 2005).
No ano em que se celebra 10 anos do manifesto lançado por Lars von Trier e Thomas Vintenberg durante o Festival de Cannes, Jan Dunn traz às telas a primeira produção britânica feita sobre os preceitos do Dogma95 e o primeiro filme do gênero com temática lésbica. Curva (a mais ofensiva expressão utilizada entre ciganos no Brasil para denominar prostituta) narra a desintegração de uma família operária inglesa quando a mãe de uma adolescente se envolve com uma jovem cigana refugiada da Romênia que espera por um passaporte britânico e pela chance de ser livre. O filme aborda de forma contundente temas importantes e atuais como a tensão racial na Europa, a re-descoberta da sexualidade depois dos 40, a gravidez na adolescência, mostrando ainda como o medo e o sensacionalismo da imprensa podem perpetuar o preconceito.
Maiores detalhes no trailer.


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