13 julho, 2014

24 HORAS SEM SONHO (ou: POR QUE CARGAS D'ÁGUA A TV BRASIL CONTINUA A SER ESTA BAGUNÇA?)

Excelentíssimo sr. ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República;
Ilustríssimo sr. Diretor-Presidente da Empresa Brasil de Comunicação, Nelson Breve;
Ilustríssimo sr. Diretor de Produção, Rogério Brandão
Ilustríssimo sr. Diretor de Conteúdo e Programação, Ricardo Soares
Ilustríssimos srs. membros dos Conselhos Administrativo, Fiscal e Curador da Empresa Brasil de Comunicação:

Nesta quinta feira, 10 de julho (presumo...), o sr. Alexandre Toledo, em nome da Gerência de Licenciamentos Nacionais da EBC, enviou o seguinte email para dona Alice Gonzaga Assaf, diretora presidente da Cinédia:



Foi o que a Cinédia fez: divulgou para todo o mundo, pela internet e todas as redes sociais, que um filme da Cinédia, 24 horas de sonho, seria exibido em uma TV pública brasileira, que sempre exibiu cinema brasileiro.

É muito raro a televisão aberta exibir filmes anteriores a 1950.
Nesta sexta dia 11 as 22:30h vai passar 24 HORAS DE SONHO na TV Brasil. É uma oportunidade para conhecer a única aparição de Dulcina de Moraes em longas metragens e a segura direção do português Chianca de Garcia, um dos diretores artísticos do Cassino da Urca e primeiro diretor artístico da TV Tupi.
Não percam!

Ah, sim: para quem voltou da Lua ontem depois de meio século de residência, vai aí uma breve ficha técnica do filme, extraída do próprio site da Cinédia:


24 HORAS DE SONHO
(Brasil/Rio de Janeiro – 1941)

Direção: Chianca de Garcia
Argumento: Joracy Camargo
Elenco: Dulcina de Moraes, Odilon Azevedo, Conchita de Moraes, Sadi Cabral, Silvino Netto, Paulo Gracindo, Oscarito (como Oscarito Brennier).

Razões (para mim e para outros que se interessam por cinema brasileiro e sua história) para ver este filme:
1- Português de Lisboa, Eduardo Chianca de Garcia (1898 - 1983) não foi apenas cineasta, mas também dramaturgo e jornalista. Já era conhecido em Portugal por filmes como A Aldeia da Roupa Branca (1938). Radicou-se no Brasil a partir de 1940, e estreou no cinema brasileiro dirigindo dois filmes na Cinédia: Pureza (1940) – baseado em romance de José Lins do Rego – e este filme sobre o qual estamos falando.
Também foi roteirista do filme Appassionata (1952), dirigido pelo compatriota Fernando de Barros para a Cia. Vera Cruz. Fora do cinema, dirigiu diversos espetáculos no Casino da Urca do Rio de Janeiro.
2- O filme marcou a única aparição nas telas de Dulcina de Moraes (1908 - 1996), uma das maiores atrizes do teatro brasileiro. Se isso interessa aos bur(r)ocratas de Brasília: em seus últimos anos radicou-se na capital federal, onde criou a Fundação Brasileira de Teatro (FBT), que depois se transformou na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes.

No entanto, ninguém viu 24 Horas de Sonho na TV Brasil.
Não, não houve nenhum apagão ou outra desgraça técnica que impedisse a exibição do filme.
Simplesmente ocorreu o que Gustavo Lopes, membro da equipe da Cinédia, nos informa soltando justo fogo pelas ventas:

"Estou frustrado com a TV Brasil. A própria empresa informou diretamente Alice Gonzaga de que o filme "24 Horas de Sonho", o filme mais luxuoso da Cinédia, seria exibido hoje no "Cine Nacional" 22:30. No lugar estão exibindo uma produção de 2010.
Segue reprodução do e-mail enviado por representante da TV Brasil informando, equivocadamente, a exibição da obra na data de hoje. Tal e-mail apenas reitera que a responsabilidade do ocorrido é exclusiva da emissora, e que nós espectadores, e da mesma forma a equipe da Cinédia, fomos todos pegos de surpresa em vista do acontecimento."

A produção de 2010 que foi exibida no lugar de 24 horas de sonho foi Desassossego (Filme das Maravilhas), longa-metragem realizado por dez diretores, acompanhados por Karim Aïnouz (Madame Satã).
Bem, eu conheço bem o Desassossego (Filme das Maravilhas). Diria até que foi um prazer ter revisto este poético filme.
Não fosse um pequeno detalhe, prezados senhores.
Esse detalhe chama-se desrespeito.
Desrespeito à mais antiga produtora de cinema de cinema do Brasil, com 84 anos de vida e um currículo de mais de 50 filmes – entre eles, um dos primeiros (e, ainda hoje, mais encantadores) filmes musicais brasileiro, Alô, alô, Carnaval (1936); uma das maiores bilheterias (até Dona Flor e seus dois maridos, 1976), O Ébrio (1946); e uma obra prima do cinema brasileiro, Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro.
E desrespeito ao público de uma emissora pública, que pode não atingir os 30 ou 40 pontos da Globo, mas que merece respeito.
E, desde já, esclareço que os realizadores de Desassossego (Filme das Maravilhas) não tem nada a ver com isso, com esse desrespeito.
O principal responsável por esse desrespeito, caros senhores, é a emissora de TV que gerenciam – a TV Brasil.
Está bem, está bem, eu sei das dificuldades pelo qual a EBC passa: falta dos recursos da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, que as empresas de telecomunicação ainda depositam em juízo, enquanto tentam contestar a contribuição na justiça; o possível contingenciamento dos recursos do orçamento federal para a EBC; a falta de recursos para a modernização de equipamentos - e eu falo de cadeira, como espectador: não sei como é a qualidade da transmissão da TV Brasil em outros lugares do Brasil; aqui, o principal problema é o som – muito baixo durante os programas – o que me obriga a aumentar o som para ouvir. (Não, não fui ao otorrinolaringologista ainda, pois minha audição vai muito bem, obrigado; entretanto, serei obrigado a consultar um se o som continuar a aumentar abruptamente nos intervalos...)
Mas, sem querer ser chato e já sendo, hão de convir, caros senhores, que falta de recursos financeiros não pode e nem deve ser sinônimo de administração desorganizada. Ou, para ser mais franco: pouco dinheiro não justifica gerir uma TV pública, se me permitem o português claro, na base do bundalelê.
(Aliás, nem pouco dinheiro nem "boa vizinhança" com as redes de TV privadas – isto é, com a grande velha mídia, que, como é público e notório, não vai muito com os cornos do governo da nossa atual presidente.)
Especialmente com estes feios hábitos de mudar a programação na última hora SEM AVISAR A NINGUÉM, e SEM JUSTIFICATIVAS.
Isso só faz com que uma emissora se desmoralize. Isso faz com que a TV Brasil pareça cada vez menos uma emissora pública, e cada vez mais um canal de TV dos anos 1950/1960, gerido na base do improviso.
Em todo o caso, gostaria de sugerir aos senhores que enviem – mesmo que seja em seu site – uma nota, solicitando desculpas à Cinédia (e aos telespectadores) pela falha.
Posso até sugerir algumas justificativas aceitáveis para tal desrespeito. Aí vão:

1- "Infelizmente, houve um problema técnico com a cópia do filme fornecida pela Cinédia" – (Hummm... pensando bem, não é uma boa ideia: se interessa à Cinédia a exibição de seu filme, não mandaria uma cópia incompatível. Aliás, a primeira coisa que a Cinédia faria é consultar a própria TV Brasil para saber quais as condições técnicas da cópia do filme, certo?)

2- "Houve um engano: divulgamos a data de exibição errada." – (Bem plausível – afinal, enganos acontecem – embora deixe no ar a impressão de que a TV Brasil está sendo gerida como a casa da mãe Joana.)

3- "Por problemas técnicos, não pudemos exibir o filme." – (Embora seja bem parecida com a desculpa 1, na verdade há uma diferença: responsabiliza mais diretamente a TV Brasil, não a Cinédia. Até tem uma vantagem: chama a atenção do governo para a necessidade de modernizar os equipamentos, não só da TV Brasil, mas das emissoras da EBC – afinal, a partir de 2016, a TV analógica começa a ser desligada. Já pensou se a TV Brasil continua analógica até lá? Acaba saindo do ar, não é?)

Essas são algumas sugestões de desculpas à Cinédia e ao público da TV Brasil. Sintam-se no direito de descobrir outras.
O que não podem é fazer de conta que não ouviram.
Daí, talvez sejam os senhores que devam consultar um otorrinolaringologista...

Atenciosamente... 

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