10 novembro, 2011

A VIDA COMO CIRCO (Sobre "O Palhaço", de Selton Mello)

Um pequeno desafio aos gentis leitores: você se lembra de algum filme (de ficção - documentário é assunto para outro texto) que se passe nos bastidores do circo?
Eu, como rato de cinemateca (que eu fui - hoje não tenho tempo), posso citar, pelo menos, uns três: O maior espetáculo da Terra (1952), de Cecil B. DeMille; O circo (1928), de Charles Chaplin; e, é claro, A estrada da vida (La strada, 1954), de Federico Fellini.
Agora saiu mais um: O palhaço (2011), de Selton Mello.
Agora, outro desafio para quem viu O palhaço: com qual dos filmes que eu citei no começo deste texto ele tem a ver?
Com O maior espetáculo da Terra não tem nada a ver: o filme é o superespetáculo típico de DeMille, e se passa no Cirque du Soleil da época, o Ringling Bros. Barnum & Bailey Circus.
Com O circo? Também não: o circo do filme de Carlitos não é o Ringling Bros. Barnum & Bailey, mas não é um circo pobre. Além do mais, há lirismo em O palhaço, mas não o lirismo chapliniano.
La strada? Talvez sim, talvez não: este ainda é neorrealista até a medula de seu lirismo. Há um certo lirismo felliniano em O palhaço, mas não o de La strada, e sim o do cinema de Fellini pós-A doce vida (1960), em que Fellini faz com que a vida real se torne circo.
Aliás, O palhaço é bem diferente - uma volta de 180º - de seu primeiro filme como diretor, Feliz Natal (2008) - um drama familiar num espaço fechado sufocante (a casa da família, durante o Natal), com influências de Lucrecia Martel, John Cassavetes e, claro, de Lavoura arcaica, de Luiz Fernando Carvalho.
Aliás 2: vários nobres colegas cismam de ver influências de Fellini em O palhaço. Inácio Araújo é um deles, com ressalvas. Só deixaram de perceber outra influência no filme: Carlos Alberto Prates Correia - não apenas pelo fato de que sequencias do filme foram filmadas no universo mítico deste cineasta, a região de Montes Claros, mas pela presença de um humor acridoce e de um quase surrealismo, típico de filmes como Cabaret mineiro (1980) ou Minas, Texas (1989).
Aliás 3: às vezes não fica a impressão de que a montagem de O palhaço deixou muita coisa de fora para que o filme tivesse a duração de 90 minutos, justinha para o "mercado"? Claro, isso pode ser feito, mas sempre há um risco de que ideias necessárias para a compreensão da linha narrativa fiquem de fora - tipo assim, tirar tijolos da estrutura de uma casa: a dita acaba um pouco ou meio capenga. 
Pois mesmo meio capenga deste jeito, as qualidades de O palhaço dão de dez a zero em suas falhas. O elenco é afinadíssimo - certo, Selton Mello (o palhaço Pangaré) e Paulo José (o veterano palhaço Puro Sangue) são os destaques, mas as presenças de Teuda Bara (do grupo Galpão) e da menina Larissa Manoella são fortes, fora as participações dos veteranos Jackson Antunes, fabiana Karla, Jorge Loredo ("Zé bonitinho, o perigote das mulheres") e Moacyr Franco (como um delegado de polícia bem prateano), que são impagáveis. E, com todos os tropeços narrativos, a leveza e o lirismo - meras coberturas para questões mais profundas, como a busca de si mesmo e de sua identidade - são fortes e predominam. 
Um filme delicioso de ser visto
P.S.: por questões financeiras, assisti O palhaço durante a décima edição do famoso (SIC) Projeta Brasil Cinemark - aquele único dia do ano (quase no fim do ano) em que filmes brasileiros são exibidos pela rede a R$ 2,00.
O que penso deste Projeta Brasil Cinemark? Quase o mesmo que pensou um ilustre colega crítico de cinema (cujo nome só vou citar se ele autorizar), em comentário na lista de discussão CINEMABRASIL:

"Deixa eu entender. Durante 364 dias por ano, a Rede Cinemark de Cinema dá prioridade total aos filmes americanos, e trava quase todas as suas salas exibindo quase sempre blockbusters. É isso? Tá, então eles pegam um dia do ano - no caso, 7 de novembro - e neste dia fazem um estardalhaço enorme, dizendo que exibirão somente filmes brasileiros a 2 reais. E querem que nós, jornalistas, saiamos divulgando isso como se fosse uma maravilha que a Cinemark faz ao nosso cinema. É isso ou eu estou errado? Porque, se for isso, na minha terra chama Esmola. Se não for isso, aceito esclarecimentos."

Comentários sobre isso, gente?

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