30 julho, 2011

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM... (XIII)

Putz, já que estou homenageando (SIC) Jair Besteiraro, por que não incluir aqui as vinhetas do 18º Festival Mix Brasil, de 2010?
Vão aí duas. A primeira vinheta, com ordem unida:


A segunda vinheta:


Divirtam-se.

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM... (XII)

Aleluia!
Custou, mas achei em meus arquivos igualmente implacáveis: a edição da Veja de 28 de outubro de 1987.
("Poxa, tio, logo a Veja?" Calma: esta edição é do tempo em que esta ilustre revista ainda não era um "detrito de maré baixa" - © Paulo Henrique Amorim - e tentava equilibrar suas idiossincrasias com a função de fazer reportagem - boa ou má reportagem, não importava. Mas voltando a vaca fria...)
O Blog do Mello também achou. Se me permite, Mello, vou transcrever seu interessante texto:

Veja e o croqui da bomba que Bolsonaro iria explodir contra a Adutora do Guandu, que abastece o Rio


Em sua edição de 28 de outubro de 1987, a revista Veja publicou uma reportagem denunciando que o capitão Jair Messias Bolsonaro e um outro identificado apenas como Xerife iriam explodir bombas "em várias unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no interior do Rio de Janeiro, e em vários outros quartéis".
Bolsonaro criticou o ministro do Exército da época Leônidas Pires Gonçalves, a quem chamou de incompetente e racista por ter chamado os militares de "uma classe de vagabundos mais bem remunerada do país". Bolsonaro concordou em parte com a crítica do ministro e disse: "Só concordamos em que ele está realmente criando vagabundos". A parte salarial era a questão de fundo do seu descontentamento.
Ele afirmou à repórter que iriam explodir bombas para "mostrar a insatisfação com os salários e criar problemas para o ministro Leônidas".
A reportagem é que caiu como uma bomba no colo do ministro. O general procurou pelos dois conspiradores, mas Bolsonaro e Xerife negaram tudo e tentaram jogar a bomba no colo da repórter. O ministro convocou a imprensa e afirmou:
"Os dois oficiais envolvidos, eu vou repetir isso, negaram peremptoriamente, da maneira mais veemente, por escrito, do próprio punho, qualquer veracidade daquela informação."
Só que Bolsonaro cometeu um erro. Havia desenhado peremptoriamente, da maneira mais veemente, por escrito, do próprio punho o croqui da bomba que seria colocada na Adutora do Guandu, que abastece de água o Rio de Janeiro. E a repórter ficou com o croqui.


A revista entregou o material ao ministro e este, após quatro meses de investigação, concluiu que a reportagem estava correta e os capitães haviam mentido.
A revista se vingou da fonte colocando foto de Bolsonaro ilustrando o reconhecimento do ministro, com a seguinte legenda: "Bolsonaro: mentira".


O caso foi entregue ao Superior Tribunal Militar. A expectativa era de que Bolsonaro seria expulso do Exército, segundo um oficial do STM declarou à revista. Mas, contra todas as provas, Bolsonaro foi absolvido.
Por que absolvido? Pelo mesmo motivo que o tornou conhecido, que o elegeu e elege até hoje: a luta por melhores salários e pensões para os militares. É também por esses votos que ele dá as declarações que dá. E adora a repercussão.
- Não estou em campanha, mas se a eleição fosse hoje, teria 500 mil votos.

Só preciso corrigir o Mello em uma coisa: há uma luta por melhores salários e pensões para os militares. Só que, na verdade, Besteiraro não está nesta luta. Ele finge que luta pelos direitos da classe militar. A sua única e verdadeira luta é para aparecer - na velha e chata estratégia da "melancia-no-pescoço" - e divulgar ideias de jerico de extrema-direita. (Pensando bem, exagerei na redundância do pleonasmo, ao escrever "ideias de jerico de extrema-direita". Putz, toda ideia de extrema-direita é de jerico...)
Claro que um militar qualquer, da ativa, da reserva ou reformado, dirá que estou exagerando e sendo injusto com Besteiraro - afinal, "foi ele que conseguiu melhorias para os nossos vencimentos".
ELE conseguiu?
Ele SOZINHO?
Bem, até onde sei, a presidente da República chama-se Dilma Rousseff. E seu antecessor chamava-se Luís Inácio Lula da Silva. Nenhum deles chama-se Jair Besteiraro. (Aliás, os dois são constantemente xingados pelo ínclito deputado.)
Até onde sei, o ministro da Fazenda - que é um dos homens do dinheiro na administração federal - chama-se Guido Mantega. Não se chama Jair Besteiraro.
Até onde sei, o ministro da Defesa (ainda...) é o advogado e ex-ministro do STF Nelson Jobim. Não se chama Jair Besteiraro.
E, até onde sei, o comandante do Exército é o general Enzo Peri. E não o capitão da reserva Jair Besteiraro.
O que o ínclito deputado pode fazer é apresentar projetos de lei para melhorar os salários dos militares. E, ainda assim, para conseguir sua aprovação, tem de negociar com seus ilustres colegas de parlamento para que sejam aprovados nas comissões temáticas, votados no plenário, mandados para o Senado, onde tem de passar por nova votação antes de virar lei e ser sancionada pelo(a) presidente da República. E, depois das, com perdão da má palavra, das m*&%$@s que falou e fala contra os homossexuais, só mesmo com a bancada evangélica que ele pode negociar. E a bancada evangélica, mesmo grande, não é a maioria dos 503 deputados da Câmara, nem dos 81 senadores da República.
No fim das contas, só as quatro ou cinco pessoas acima citadas (a presidente da República, o ministro da Fazenda, o ministro da Defesa e o comandante do Exército) é que tem a caneta necessária para dar as melhorias salariais que os militares precisam e merecem. Não a caneta de Jair Besteiraro.
Portanto, caro militar, se Jair Besteiraro voltar a dizer que conseguiu as melhorias salariais para a sua categoria SOZINHO, cabe responder a ele: "Sozinho é o c@#@%&*, seu terrorista!" 
Até porque se você, militar, é contra o terrorismo, por que vota num terrorista como Jair Besteiraro? (Ora esta, as bombas que planejavam explodir nos banheiros destas unidades militares "não iriam matar nem ferir ninguém" - a não ser quem, inadvertidamente, precisasse usar o banheiro no mesmo momento em qua bomba explodisse... isso ele e seus companheiros de terrorismo não pensaram...)
E não se engane: quem planeja atos terroristas, como explodir bombas, mesmo não os executando, é terrorista do mesmo jeito.

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Isto posto, em mais uma homenagem - desta vez, aos corajosos ministros do Superior Tribunal Militar (é preciso muita coragem para não expulsar do Exército e não condenar à prisão um terrorista como Bolsonaro, né não?) - a indicação de nossa séria série, que já esteve nos nossos cinema e está em DVD: Yossi & Jagger (Israel, 2002), de Eytan Fox.
pequeno detalhe, só para se situarem: Israel possui um dos melhores exércitos do mundo, e também um dos regimes democráticos mais estáveis do planeta (menos, claro, para os palestinos...) - tão estável que, até agora, eles não tem sequer uma Carta Magna. Não, não é para imitar os ingleses - que governaram a região da Palestina, por mandato, do final da Primeira Guerra Mundial até pouco depois da Segunda Guerra - que também não tem uma constituição. É que ainda não chegaram a um acordo sobre ela.
Enquanto isso, leis regulam o regime democrático - que vai bem, obrigado. Especialmente quanto aos direitos dos cidadãos LGBTS - inclusive em suas forças armadas. (Já as forças armadas daqui de Terra Papagalli...)

Isto posto, voltemos ao filme.
Yossi & Jagger se passa em uma base militar na fronteira de Israel com o Líbano que abriga jovens soldados, homens e mulheres. Yossi (Ohad Knoller) é o comandante do grupo, um homem duro que mantém a todo custo sua postura rígida e a fama de mau. Jagger (Yehuda Levi), o segundo na hierarquia do quartel, tem uma personalidade mais sensível, apesar de também encarar seu trabalho com seriedade. Uma vez juntos, os dois militares vivem uma história de amor proibida que tentam esconder dos demais membros da tropa a todo custo. No entanto, esse esforço fica ameaçado quando a recruta Yaeli (Aya Steinovitz) declara ser apaixonada por Jagger. Os dois amantes terão de tomar uma decisão...
A seguir, o trailer do filme.

COMBATER O BOM COMBATE III

Artigo de Cezar Migliorin no caderno "Prosa & Verso" de O Globo deste sábado, 30 de julho.

Arte, democracia e a censura a 'A Serbian Film'
Por Cezar Migliorin

Fomos surpreendidos semana passada com a proibição de exibição do filme de ficção “A Serbian Film — Terror sem limites”, de Srdjan Spasojevic, um filme ao qual eu não dedicaria nenhuma linha, não fosse esse evento. A proibição nos joga para uma época em que cabia aos mais diversos poderes — os mais ricos, mais fortes, mais velhos — definir as imagens que poderiam fazer parte da comunidade e aquelas que não poderiam. A escolha das “boas imagens” visava proteger a comunidade impedindo que certas ideias circulassem. Para que esses poderes pudessem assim operar, eles deveriam partir de um desequilíbrio essencial entre aqueles que sabiam julgar as imagens — religiosos, juízes, políticos — e a massa incapaz de fazer uso das imagens. O filósofo francês Jacques Rancière chamou esse tipo de inscrição das imagens na comunidade de um regime ético das imagens. Nesse regime, a noção de arte, criação, invenção não poderia existir ou, pelo menos, não poderia ter nenhuma relevância posto que a pertinência das imagens não se fazia em relação à sua capacidade inventiva ou representacional, mas em relação às crenças da comunidade, ao ethos. Sem a ficção, a imagem é um duplo do evento, ou seja, o evento novamente. Fica claro que nesse regime, sem a ficção, toda imagem que esteja em desacordo com o que desejam os poderes instalados deve ser eliminada.
Em nossa comunidade — Brasil, século XXI — nos organizamos de forma diferente. Trabalhamos com a noção de arte e de ficção, fazendo com que não existam mais os temas que podem ou não fazer parte da criação artística, os assuntos que podem ser representados e os que não podem. Se isso não está claro para o senso comum, está explicito na Constituição. No inciso IX do artigo 5 lemos o seguinte: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Rancière poderia dizer que a constituição brasileira se filia a um regime estético das imagens.

No campo estético, imagem é uma forma de reflexão sobre o real

Do regime ético à forma que entendemos as imagens hoje há a introdução da variável ficcional e estética, operando uma mudança decisiva. A imagem deixa de ser a coisa em si, para ser uma forma de reflexão da sociedade sobre o que nela existe. Sejamos contra ou a favor, não podemos impedir que a ficção exista nesses termos, com essa liberdade.
Nossa comunidade, entretanto, proíbe certas práticas: assassinatos, roubos, pornografia infantil, etc. Sendo assim, a proibição do longa-metragem de ficção da Sérvia só poderia ser feita caso ele fosse em si um crime. Caso, por exemplo, houvesse uma cena real de pedofilia, o que não é o caso. Entretanto, o filme foi proibido.
Dizendo-se apoiado no Estatuto da Criança e do Adolescente, o advogado do DEM fez uma leitura do Estatuto como se vivêssemos em um regime em que os poderes devessem julgar as imagens que servem e as que não servem para a comunidade. Como se o partido fosse responsável pela proteção dos incultos indefesos que não têm condições de julgar o que veem e ouvem. A desembargadora de plantão construiu seu parecer dentro do mesmo pressuposto e, rompendo um princípio fundamental da democracia que diz que todos têm igualdade de condições para entender e criticar o mundo, impediu a exibição do filme.
Segundo o Art. 241-C do ECA, é proibido “simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual.” Se ignorarmos que as representações visuais fazem parte de uma comunidade em que existe arte e ficção, poderíamos facilmente interpretá-lo como fez a desembargadora e o DEM. Mas é certo que para entender a noção de simulação que está no Estatuto não podemos abandonar a própria comunidade em que o Estatuto foi feito, o Brasil e a sua Constituição.
Nesse sentido, um outro trabalho de interpretação parece necessário. A simulação incide aqui sobre a ideia de parecer real o que é montado, ou seja, dar a impressão de verdade onde há ficção, efetuando, pela montagem, uma falsa impressão de que um crime existiu. No registro ficcional, simular que alguém presenciou um determinado evento é um artifício amplamente utilizado, entretanto algo antecede essa simulação, que é o pacto com o espectador de que aquilo não existiu. No pacto ficcional não há simulação, no sentido de fingimento, apenas uma insinuação sem que o crime se efetive e sem que se possa ter a impressão de que houve crime. No filme em questão, não só não houve crime como a impressão de ter havido crime é restrita ao universo da ficção. Na ficção, a montagem não simula para apagar os limites entre o que é construído como ficção e o que se efetiva na realidade. O estatuto da ficção antecede a impressão de que a criança participou da cena e qualquer público adulto é capaz de compartilhar esse regime de imagens. Entendemos que quando alguém morre em um filme ele não morreu na vida real.

Justiça e DEM querem decidir o que deve ou não ser visto por nós

Chegamos assim ao ponto central de meu argumento. Como sabemos que nenhuma criança foi exposta a situações que a aviltasse, não é tarefa da lei julgar se alguns indivíduos têm ou não a capacidade de lidar com imagens que insinuem pedofilia, como fez a desembargadora ao dizer: “Não se pode admitir e permitir que, em nome da liberdade de expressão, cenas de extrema violência física e moral, inclusive, utilizando recém natos, sejam levadas ao grande público, vez que possam provocar reações adversas, às vezes em cadeia, em pessoas sem equilíbrio emocional e psíquico adequado para suportar tais evidências de desumanidade.”
O texto da desembargadora evidencia um neoplatonismo em que as paixões e as emoções são afetos grandes demais para ficarem nas mãos de artistas e espectadores, por isso devem ser controlados por quem entende o que é bom para a sociedade: a Justiça e o DEM. Trata-se de uma decisão que pode ser ótima para uma comunidade em que as imagens devem guardar continuidade com a vida religiosa ou cívica, mas não para o Brasil. Aqui a liberdade artística é parte do princípio democrático, não somente porque para a arte não há limites entre o que pode ou não ser abordado pelas obras, como não autorizamos nenhum poder a decidir quais são as imagens que devem circular.
Pedofilia, no final das contas, não está em questão nesse caso, mas uma tentativa autoritária em que alguns pretendem dizer o que deve e o que não deve ser visto por nós, pobre massa indefesa. Isso tem um nome: censura. Não, obrigado.

CEZAR MIGLIORIN é professor do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense

29 julho, 2011

COMBATER O BOM COMBATE II (ou: NELSON RODRIGUES TEM TODA A RAZÃO)

Como diria Nelson Rodrigues, a coisa está assumindo proporções do quinto ato de Rigoletto.Aliás, por falar em alfafa, parece que Nelson Rodrigues tinha toda a razão: burro cresce por toda a parte que nem capim.
(Pai dos burros: Rigoletto é uma ópera de Giuseppe Verdi, com libreto de Francesco Maria Piave. Qualquer um conhece a sua ária mais famosa, La donna è mobile. Ah, sim, e é uma ópera com três atos, como todas as óperas: o "quinto ato" é exagero estudado de Nelson Rodrigues.)
A coisa, no caso, é a questão A serbian film - ou melhor, a demagogia censória iniciada pelo DEMagogos (Cesar Maia et caterva) e continuada por advogados juízes e procuradores querendo aparecer.
E mais não escrevo. Desta vez, deixo para Eduardo Valente, em carta indignada para O Globo, que transcrevo abaixo:
Toda notícia que leio sobre o caso da proibição do filme A SERBIAN FILM parece mais surreal que a anterior. Primeiro, quando a Justiça exerceu censura prévia a uma obra que, admitidamente, ninguém (nem os que tinham movido a ação) havia ainda visto. Depois, quando as decisões de alguns procuradores e desembargadores arvoram para si não o ato de fazer cumprir as nossas Leis, mas sim de passar julgamentos sobre o efeito de obras de arte de ficção sobre a mente das pessoas, como se isso pudesse ser feito com um mínimo de ciência. O que há de fato é o uso de um tema sério (a pedofilia) para exercitar a demagogia, o moralismo e a arbitrariedade. E ainda mais: abrir precedentes que podem proibir inúmeras obras do passado e do futuro de acordo com os simples desvios de julgamento destes senhores e senhoras.

No meio tempo, enquanto proíbem obras de circularem sem cometerem (elas, as obras) nenhum crime de fato, as mesmas instâncias deixam à solta, graças a recursos e mais recursos, uma série de perpetradores consumados de crimes reais, como as agressões homofóbicas noticiadas nos últimos meses, ou mesmo assassinatos (para não falarmos, claro, dos casos de corrupção e afins). Caminhamos para um país onde cometer crimes é algo protegido pelas instâncias judiciais, enquanto “a possibilidade de, quiçá (sem nenhuma prova) incitar a realização de algum no futuro” é exemplarmente punida.
Parabéns senhores advogados, desembargadores, procuradores. Pelo visto, a Lei serve apenas para o uso a ser desejado pelos senhores, e não de fato para o bem comum do país. Deve ser isso que chamam de "o império da Lei".
EDUARDO VALENTE
Resumo da ópera (não, não é de Rigoletto), 3º ato - Sai em O Globo de hoje mais uma má notícia: a Procuradoria da República em Minas Gerais mandou ordem ao Ministério da Justiça - mais especificamente, ao órgão do ministério encarregado da classificação indicativa - para suspender os trâmites para dar a A Serbian film a sua classificação indicativa definitiva.
No inquérito civil público encaminhado ao ministério em 22 de julho, documento a que O GLOBO teve acesso, o procurador Fernando Martins listou 19 razões para o Ministério da Justiça vetar "A Serbian film" em território nacional. Entre eles, diz que a obra trata "da indústria pornográfica e de um dos seus subgêneros mais undergrounds, os 'Snuff Movies'", que "tal sub-gênero compõe-se de filmes extremistas que introduzem o lado mais negro da alma humana, usando fetiches e crimes reais como atrativos", que "o referido filme contém até mesmo cenas em que se simulam atos sexuais com criança e (pasmem!!!) com recém-nascido" e que ele "causou mal-estar onde foi exibido".
Assim, Martins recomenda que a Secretaria Nacional de Justiça proíba "de imediato a exibição/veiculação do filme em todo o território nacional" ou suspenda "de imediato a análise da classificação indicativa" da obra. Para o caso de a análise já estar concluída, propõe a suspensão da veiculação "até que a autoridade competente, seja do Executivo seja do Judiciário, se manifestasse sobre o tema".
"Peraí, tiôôô... Se A serbian film não foi exibido fora de alguns festivais em Porto Alegre e São Luís, onde é que esse Francisco Martins viu o filme, para chegar a tais conclusões?"
Simples, sobrinho: não viu. O procurador federal Francisco Martins é mais um ilustre jurista adepto do método "não vi, mas não gostei e proibi". Simples assim.
E não me pergunte quanta alfafa o ilustre procurador come por dia, porque eu não sei.

27 julho, 2011

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM... (XI)

Outro dia, um amigo, que costuma ler este blog, me mandou e-mail me dizendo que esta séria série era boa, mas inútil. Para ele, nenhum dos filmes que eu estava indicando para os distribuidores seria trazido para o Brasil por um motivo simples: nenhum distribuidor seria tão corajoso a ponto de afrontar o gosto conservador do público.
O argumento seria lógico, não fosse um pequeno detalhe, que meu amigo esquece: o público de cinema não é um bloco único, monolítico - tipo assim, o público só gosta de Harry Potter, de Capitão América etc., etc. e tal. O público de cinema, graças a Deus, é uma bela colcha de diferentes retalhos - em português mais claro ainda, são vários públicos de cinema. E estes diferentes públicos podem até convergir para um filme que fuja ao padrão comum. Ou, como esta indicação de hoje, que até subverta este mesmo padrão comum. Quando isso ocorre com um filme - e quando um distribuidor mais corajoso se atreve - ele é lançado nos cinemas tranquilamente.
É o caso da indicação de hoje desta séria série, que já esteve em nosso cinemas e pode ser encontrado em DVD: Plata quemada (2000) produção argentino-uruguaia, dirigida por Marcelo Piñeyro.
Para começar, Plata quemada é o caso de filme "baseado em fatos reais", pero no mucho. Vários bandidos portenhos realizaram um grande assalto no qual vários pessoas morreram em Buenos Aires; depois a quadrilha escapa para Montevideo, Uruguai. Numa noite de novembro de 1965 foram cercados pela polícia uruguaia, que após quatorze horas e milhares de balas atiradas no apartamento, terminou com um saldo de vários mortos, entre policiais e bandidos.

Simples assim? Sim e não.
Sim, Plata quemada é o clássico thriller de assalto, onde se descrevem as relações entre os bandidos (e destes, não tão amistosas, com a polícia), o planejamento do assalto, a ação e as consequências, quase sempre trágicas. E thriller de assalto bom é aquele cuja ação é tensa, vertiginosa, envolvente (tipo assim, que até nos faz torcer pelos bandidos).

Não, Plata quemada não é apenas um clássico thriller de assalto. Isso porque o assalto propriamente dito divide igualmente a ação com a relação entre dois dos bandidos, os protagonistas Nene (Leonardo Sbaraglia) e Ángel (Eduardo Noriega)

O quê? Os dois são gays?
Como diria o filósofo Aldir Blanc: "Ora, vá retumbar um editorial!" (De preferência, um editorial da Falha... digo, da Folha de S. Paulo, tão sensacionalista quanto a matéria burra sobre A serbian film, que resultou na inspiração para o golpe politiqueiro-falso-moralista do DEMagogos, que pediu e obteve a proibição do filme. Mas isso é outro assunto que vai dar panos pra manga. Voltemos à vaca fria.)
Nene e Ángel são contratados por um figurão para interceptarem um carro-forte que carregava 7 milhões de pesos, mas o roubo na verdade foi uma cilada e a dupla vê-se obrigada a matar para fugir.

O relacionamento entre os dois bandidos (Nene e Ángel) é conturbado. Nene é o lado inteligente e esperto da dupla; mesmo assim ele é apaixonado por Ángel. Por outro lado, Ángel é infantilizado. Fanático religioso, carrega a culpa pela sua vida (bandido e homossexual) e ouve vozes que o atormentam.
É entre estas duas linhas narrativas que Plata quemada se divide com talento e mais do que competência. Vale a pena revê-lo. Agora, o trailer, para dar água na boca de quem ainda não assistiu.









 

25 julho, 2011

COMBATER O BOM COMBATE (ou: DEPOIS O DEM NÃO ENTENDE PORQUE PERDEU AS ÚLTIMAS ELEIÇÕES...)

Até o dia 23 de julho último, pensávamos que a Constituição brasileira ainda estava em vigor. Mais especificamente, os dispositivos abaixo:


Título II: dos direitos e garantias fundamentais
Capítulo I, dos direitos e deveres individuais.
Artigo 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
Inciso IX: É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.


Infelizmente, nesta data, o DEM decidiu – seguindo os ensinamentos dos fanáticos do Tea Party dos EUA – revogar temporariamente este inciso. Tudo por mera politicagem.
Um breve comunicado da equipe do RioFan (festival de cinema fantástico e de terror, no Rio de Janeiro):


"Senhor Produtor,
"Informamos que, por decisão da Caixa Econômica Federal, o filme A Serbian Film – Terror sem Limites deverá ser retirado da programação da mostra RIOFAN, em cartaz na CAIXA Cultural RJ e patrocinada por essa Instituição.”
"Não tivemos maiores esclarecimentos sobre o que levou à decisão. Nossa surpresa diante do veto foi ainda maior por sabermos que o filme em questão já foi exibido em dois diferentes festivais brasileiros há poucas semanas.
"Diante deste fato, não temos opções se não abrir mão da exibição do filme do diretor Srdjan Spasojevic no contexto do festival - um filme premiado e exibido em alguns dos maiores festivais internacionais dedicados a cinema de gênero no mundo, além de festivais convencionais, entre eles:


- South by Southwest (Austin, EUA)
- Festival Internacional do Filme de Fantasia (Bruxelas, Bélgica)
- Fantasia (Montreal, Canadá)
- Raindance (Londres, Inglaterra)
- Fantasporto (Porto, Portugal)
- Festival de Sitges (Sitges, Espanha)
- Fantaspoa (Porto Alegre, Brasil)
- Festival Lume (São Luís, Brasil)

"Lamentamos profundamente a decisão e gostaríamos de aproveitar o ocorrido para expressar nossa opinião sobre o filme.
"A Serbian Film é, sem sombra de dúvida, um dos filmes mais polêmicos de todos os tempos, e não sem razão: é uma obra que questiona os limites da representação cinematográfica e que lida com situações e temas absolutamente condenáveis.
"As matérias veiculadas pela imprensa brasileira sobre o conteúdo do filme dão a entender, porém, que o filme apresenta cenas de pedofilia e necrofilia explícitas - o que não é verdade. Todas as cenas em questão são obviamente sugeridas e orquestradas por uma montagem que as integra numa narrativa dramática e séria cujo intuito é claramente denunciar a crise moral que se abateu sobre o país após a sangrenta guerra vivida na década de 1990, momento em que vidas humanas eram descartadas sem o menor pudor.
"Não há, sob qualquer ótica possível, apologia à violência sexual contra mulheres ou menores de idade no filme. São atos absolutamente grotescos e tratados como tal por uma obra que se insere numa tradição de filmes “extremos” - um subgênero do cinema de horror que lida com questões repulsivas de forma radical, com o intuito de buscar o choque e a reflexão nos espectadores. Vale lembrar que a fonte de inspiração destes filmes é a experiência humana - em seus aspectos mais vis e depravados, por certo, mas não menos humanos, infelizmente.
"O RioFan é radicalmente contra qualquer forma de censura - um mal que assolou nosso país durante décadas e contra o qual muitos deram o próprio sangue para extirpá-lo do Brasil. Somos a favor da total e irrestrita liberdade de expressão, pedra de toque de qualquer sociedade democrática. Somos defensores do cinema de horror em suas mais diversas vertentes e acreditamos que filmes como A Serbian Film têm um papel importante ao trazer à tona os horrores que compõem o material de nossos pesadelos coletivos. Ao programar A Serbian Film, acreditamos que, assim como o filme, estamos condenando explicitamente a prática da violência sexual em todas as suas vertentes e modalidades.
"De nossa parte, gostaríamos ainda de dizer que temos a liberação de todos os programas do festival pelos órgãos competentes e que todos os filmes programados têm classificação indicativa para maiores de 18 anos.
"Para finalizar, gostaríamos de anunciar que o Grupo Estação, em parceria com a distribuidora Petrini Filmes, irá promover uma sessão extraordinária de A Serbian Film no Cine Odeon, às 22h do próximo sábado, dia 23 de julho. É a chance de todos assistirem ao filme e tirarem suas próprias conclusões.


Equipe RioFan 2011"


Resumo da ópera (1º ato): matérias errôneas e sensacionalistas da grande mídia (também chamada por Paulo Henrique Amorim, com certa e justa razão, de "PiG - Partido da Imprensa Golpista"), como a de O Globo e da Folha de S. Paulo – cujo dono, Otávio Frias Filho, sonha em transformá-lo numa versão em papel jornal da Veja – e a ação de grupos pseudo-falso-moralistas, adeptos do método de análise artística conhecido como "não vi e não gostei", pressionaram a Caixa para retirar tal filme da programação do RioFan. E a Caixa obedeceu.

Bem, não vi A Serbian Film, portanto não posso dizer se gosto ou não do filme - afinal, só se pode gostar ou não de uma obra artística se a conhecemos.
E não poderei ver para julgá-la. Cortesia da filial do Tea Party no Brasil, chamada DEM, igualmente adepta do método "não vi e não gostei" de análise artística.
Resumo da ópera (2º ato): aos 45 minutos do segundo tempo – isto é, em cima da hora – o diretório regional do DEM entrou com pedido de liminar na justiça, proibindo a sessão de A Serbian Film e apreendendo a cópia.
A distribuidora do filme, Petrini Filmes, entrou com recurso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O recurso é negado pela desembargadora de plantão

As razões (não vale rir, que é para chorar):
Sem dúvida, em que pese a afirmativa dos Agravantes de que o filme não trata de pedofilia, erotismo e exploração sexual envolvendo menores, é de cautela que haja uma análise acurada do conteúdo da obra para aferir e evitar eventuais prejuízos aos jovens em formação e à sociedade como um todo. (Quais os "eventuais prejuízos" para pessoas maiores de 18 anos, já que era esta a classificação indicativa do filme: não recomendado para menores de 18 anos – e quando um filme tem esta classificação, adolescentes não entram num cinema nem a muque.)
Não se pode admitir e permitir que, em nome da liberdade de expressão, cenas de extrema violência física e moral (...) sejam levados ao grande público, uma vez que podem provocar reações adversas, às vezes, em cadeia, em pessoas sem equilíbrio emocional e psíquico adequado para suportar tais evidências de desumanidade.
Ou seja: para a desembargadora, eu, você e as torcidas do Flamengo, Corínthians etc., etc. – isto é, todos nós – somos um bando de desequilibrados emocionais, inaptos e incapazes para julgar uma obra artística.
Talvez, nem a juíza, nem a desembargadora, nem o DEM o sejam, pois determinaram a proibição de A Serbian Film SEM ASSISTIR O FILME.
Lembra, e muito, a história de Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos. Em 1955, sem assistir o filme (guiando-se por informações de um amigo, cujo nome nunca foi revelado), o coronel Geraldo Menezes Cortes, chefe de polícia, proibiu a sua exibição em território nacional. As razões apresentadas são tão estapafúrdias quanto as atuais para a proibição de A Serbian Film:
Este filme tem como fim a desagregação do país, e foi feito com tal habilidade que serve aos interesses políticos do extinto Partido Comunista. (Só porque Nelson era filiado ao PCB, na época?)
O filme é um incentivo à vagabundagem, não aparece ninguém trabalhando. (O que é compreensível, pois o filme se passa num domingo. Mesmo assim, há pessoas trabalhando: os jogadores de futebol, os meninos vendedores de amendoim...)
Meninos soltos pelas ruas, vendendo amendoim ou pedindo esmolas, supostamente para sustentar suas famílias... isso é uma falácia, isso não existe. (Precisa comentar? Até hoje existe isso...)
O filme é sacrílego. Há um verso da música-tema deste filme dizendo "eu sou o rei dos terreiros" – ou seja, uma clara propaganda da feitiçaria e do candomblé. Um acinte à Santa Madre Igreja Católica e ao temperamento cristão do povo brasileiro. ("Terreiro" também designa o lugar onde os compositores de samba se reúnem para mostrar as suas composições – já ouviram falar de "samba de terreiro", hoje chamado "samba de quadra"? Ainda assim, a Constituição de 1946, bem como as Cartas posteriores, inclusive a atual, definem o país como um Estado laico, com liberdade de culto.)
O filme é uma tentativa de desmoralizar a meteorologia. O titulo "Rio 40 Graus" é mentiroso porque aqui na Capital Federal a temperatura máxima nunca passou dos 30,7 graus. (Se você, que já esteve no Rio de Janeiro durante o verão, quiser rir, pode rir...)
Finalmente...
Recentemente apreendemos dois filmes tchecos com uma técnica perfeita, igual a este filme. Logo só podemos concluir que Rio, 40 Graus foi feito com o auxílio financeiro e técnico do movimento comunista internacional.
(Rio, 40 graus foi realizado com poucos recursos – a câmera utilizada no filme era uma câmera antiga e enguiçada, cedida pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo – INCE, por seu diretor técnico Humberto Mauro, e consertada por seu diretor de fotografia, Hélio Silva – em regime de cooperativa. Mas para o coronel Menezes Cortes, isso parecia não importar: para ele, filme brasileiro legítimo tinha de ser mal-feito, esculhambado, feito nas coxas, com o perdão do termo. Porque um filme brasileiro apresenta uma técnica perfeita, ao invés de merecer elogios de autoridades, é perseguido por elas, porque acham que o cineasta brasileiro típico tem de ser obrigatoriamente esculhambado, e que filme brasileiro tecnicamente perfeito é "coisa de comunista". Ou seja, o cinema brasileiro não poderia buscar a evolução técnica do cinema brasileiro, porque isso seria “traição à pátria” ou “cumplicidade com o comunismo internacional”. Fica a dúvida: o coronel queria combater o comunismo ou o cinema brasileiro?)
Diante de tão “inteligente” acusação, uma campanha da intelectualidade e da imprensa lutou com unhas e dentes, não só pela liberação do filme – o que ocorreu em 1956, por sentença do STF – mas pela liberdade de expressão.
Ah, um detalhe: o coronel Menezes Cortes era ligado á UDN e ao Clube da Lanterna, de Carlos Lacerda et caterva.
E agora o DEM – mostrando-se digno herdeiro das mais ínclitas tradições do Clube da Lanterna (e nascido de uma das costelas da ARENA, o partido da situação do regime militar) – repete a façanha de seus antecessores. Pelo mesmo pretexto: defesa da moralidade. E pela mesma razão: politicagem.
É que entre os alvos da ação judicial do DEM, estava a Petrobras.
Ué, o que diabos a Petrobras tem a ver com o peixe?
Simples: o Odeon Petrobras – o cinema em que seria exibido A Serbian Film – é o único cinema do Grupo Estação patrocinado pela petroleira.
E a petroleira é uma empresa cujo acionista majoritário é o governo federal – governo contra qual o DEM faz oposição cerrada. E, na maioria das vezes, sem se embaraçar com métodos, tal qual Lacerda.
Será esta a primeira mostra do que seria a futura candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro, nascida da aliança espúria entre o psicopata Cesar Maia e o narcisista truculento Anthony Gargantinho?
E a justiça? Quando é que vai processar criminalmente o psicopata Cesar Maia?
Motivo? Olha aqui o Código Penal:


Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Este é o termo legal pela sua criminosa omissão durante a epidemia de dengue em 2008, por duas razões mesquinhas: a) não precisar atrasar a construção de sua pirâmide de faraó chamada Cidade da Música; 2) não precisar pedir ajuda aos governos estadual e federal, para não deixar sua postura de ferrenho oposicionista a ambos.
Isso é um caso que o Ministério Público – mesmo que censurou uma obra artística a pedido do DEM – precisa resolver. No momento, o que podemos fazer é combater o bom combate, acabar a carreira e guardar a fé – na liberdade de expressão, claro.


P.S.: Pensando bem, poderia ter simplesmente posto aqui link para o nobre colega Daniel Caetano, que escreveu texto mais curto e mais certeiro sobre este mesmo assunto, do que escrever este texto longo. Faz mal não.

23 julho, 2011

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (X)

Antes de uma nova indicação para esta séria série - e se me permitir o coleguinha blogueiro Walter Hupsel, do Yahoo!, transcrevo parte de um de seus últimos artigos, O (in)visível preconceito:

Às vezes tem tanto assunto em uma semana que fica até difícil escolher um para comentar. No mínimo dois fatos reveladores do que (ainda) são o Brasil e os brasileiros. O primeiro aconteceu no fim de semana na cidade de São João da Boa Vista, interior de São Paulo, onde pai e filho foram brutalmente agredidos por um grupo de jovens que achou que formavam um casal homossexual . O pai perdeu um pedaço da orelha. A outra notícia, que não mais nos choca pela naturalidade com que é dita, são as patroas reclamando que não se acha mais bons serviçais no Brasil.

Na verdade nenhuma delas choca mais. Naturalizamos os crimes de ódio e a exploração. Podemos nos lamentar, alguns de nós, mas não nos indignamos . O fato é que, tal como as fazendas de cana do século 19, que tinham corredores entre as paredes para os escravos circularem na sede sem serem notados, queremos estar cercados de seres invisíveis
Toleramos os gays, desde que não sejam gays em público. Devem manter as aparências cobradas pela família branca heterossexual. Toleramos a alcova, mas reprimimos violentamente em público. O indesejado incomoda a ponto de alguns jovens – vejam bem, jovens, aqueles que esperamos que sejam mais liberais, menos preconceituosos – partirem para a barbárie contra dois homens que pensaram que eram um casal. Ou pior, assassinarem 128 gays em 2011 por serem… gays
(...)
Por que? Eu me atrevo a tentar responder. Porque agora querem ter direitos, querem ter jornada de trabalho, porque agora ousam dizer não. Não querem ser “boas empregadas”, aquelas que só dizem docilmente “sim”. Querem ser trabalhadores, como qualquer outro.
E os gays querem ser iguais, querem poder andar de mãos dadas com seu (sua) namorado(a), querem, inclusive, casar, coisa que ameaça não a tal família brasileira, mas o preconceito inculcado sobre a promiscuidade. A proibição do casamento homossexual é a trincheira a ser defendida porque nos mostra que os gays são iguais a nós.
E tudo isso assusta. Assusta quem foi criado num ambiente segregado, que tem seus parâmetros fixos que colocam cada macaco no seu galho, previamente estabelecido, claro.
Aí, quando se rompem os galhos, há séculos estabelecidos, a revolta é geral, pois mostram o quão iguais os diferentes são. Mas isso, para muitos, é intolerável.


E isso hoje, 2011. Imagine em 1986 - ano em que foi lançado o filme de hoje desta séria série: Vera, de Sérgio Toledo. É o chamado filme baseado em história real - mais especificamente, na primeira parte do livro A queda para o alto, de Sandra Mara Herzer - aliás, Anderson Herzer, ou Herzer, como assinou o livro – que é, basicamente, sua autobiografia.
Resumo da (triste) ópera.

Herzer nasceu Sandra Mara Herzer em Rolândia, PR, em 1962 (um ano mais velha do que eu, caramba!) – para variar (mas nem tanto), numa família pobre e desestruturada (mãe prostituta, que morreu cedo, pai assassinado quando ela tinha quatro anos, tios indiferentes etc.). Aos 13 anos teve um namorado chamado Bigode que morreu tragicamente em um acidente de moto. Também na adolescência encontrou um refúgio para a sua carência afetiva no álcool e nas drogas – o que levou seus tios a terem uma “brilhante” ideia para lidar com este problema: enviaram-na para a FEBEM, sem nunca ter cometido qualquer crime.
Herzer ficou lá na FEBEM dos 14 aos 17 anos, descontados pequenos períodos em que fugiu de lá para “respirar”. Foi lá que se descobriu homossexual. Mais do que isso, foi lá que assumiu uma personalidade masculina: Anderson “Bigode” Herzer – justamente, o apelido de seu namorado morto. (Também foi lá que, segundo fontes mais ou menos confiáveis, os médicos da FEBEM lhe injetaram hormônios masculinos, como forma de acalmar os hormônios de certas internas, o que contribuiu mais ainda para a criação de sua masculinidade. Mas isso nunca foi confirmado.) Não foi a única: haviam outras meninas que adotavam identidades masculinas e formavam “famílias” com outras meninas (a menina com identidade masculina era o “pai”, outra menina era a “mãe”, e uma menina mais nova era a “filha”). Mas Herzer seria a mais respeitada pelas outras internas. Claro, isso desagradou a direção da FEBEM. Mas não podiam fazer muita coisa para desfazer isso, salvo pelos métodos “sutis” que toda instituição que se diz de reeducação utiliza – o que levava a um resultado pífio.
Com tudo isso, o mais impressionante foi: como Herzer conseguiu desenvolver sua sensibilidade e talento literário num ambiente tão hostil, pois escrevia poemas (alguns publicados na segunda parte de A queda para o alto) e peças de teatro, encenadas (quando podia...) entre as internas. Isso chamou a atenção de um deputado estadual, chamado Eduardo Suplicy, que conseguiu retirá-la da FEBEM aos 17 anos, dando-lhe trabalho em seu gabinete na Assembleia Legislativa paulista.
Isso durou pouco tempo: Herzer não conseguiu ser efetivada no trabalho, nem conseguiu outro emprego. Menos ainda ser reconhecida como uma persona masculina, como homem, como queria. E, pior ainda, não se livrou dos traumas de infância e da adolescência na FEBEM. Em 10 de agosto de 1982 – pouco antes do lançamento de A queda para o alto – atirou-se do Viaduto 23 de Maio. Foi socorrida, mas os ferimentos eram graves, e ela morreu.
Vera conta esta história com alguns detalhes para despistar. No filme, Sandra Mara Herzer - ou Herzer - virou Vera Bauer (encarnada com garra e talento pela então jovem Ana Beatriz Nogueira). A instituição onde foi internada, de FEBEM, transformou-se num orfanato. O então deputado Suplicy transformou-se num sociólogo (Raul Cortez, que lhe consegue trabalho não na Assembleia Legislativa, mas num instituto. Meros detalhes num filme de talento e sensibilidade.
Não achei um trailer, mas trago-lhes aqui três cenas. Na primeira cena, o personagem de Raul Cortez leva Vera ao instituto onde vai trabalhar, apresentando-a à diretora (Norma Blum); na segunda cena, Vera... ops, Bauer afronta os outros funcionários do instituto indo trabalhar de terno e gravata (claro: afinal, Vera, aliás Bauer, não se achava como homem?); na terceira cena, somente Vera/Bauer e sua amada Clara (a bela e talentosa Aida Leiner).
Belíssimo filme. Já existe em DVD ou em Blu-Ray?


P.S.: Já tinha três ótimos motivos para não votar no DEM: o fato de ser um partido surgido da costela da falecida ARENA, o partido da situação da ditadura militar; a presença em seus quadros de psicopatas (como Cesar Maia, que negou obstinadamente a existência de um surto de dengue na cidade em que fingia governar - causando, com isso, a morte de centenas de pessoas - só para continuar oposicionista e não pedir socorro aos governo federal e municipal) e "valentes de plenária"; e a insistência numa plataforma de governo francamente reacionária, travestida de "liberal". Agora, achei mais um motivo: utilizar a desinformação das pessoas e o falso-moralismo de outras para restaurar a censura via liminar no Judiciário, contra um filme que nem sequer viram. Depois se perguntam por que perderam as últimas eleições...

22 julho, 2011

CASO AS "OTORIDADES" DO RIO NÃO SAIBAM...

Imagine se alguém vai comprar um carro de mim. Digamos que custe uns R$ 60.000,00. (Uma pechincha, não é?). Você se interessa, fechamos negócio e coisa e tal. Mas quando fechamos negócio, este alguém me chama num canto e fala baixinho:
- Olha, eu estou com um problema: estou sem R$ 60.000,00 para comprar seu carro. Eu queria saber uma coisa: será que você poderia me emprestar este dinheiro para pagar a você?
Pergunta: o que você faria, além de desfazer o negócio?
a) mandaria este alguém lamber sabão?
b) mandaria pentear macacos?
c) mandaria para outros lugares que a educação não me permite citar aqui?
ou
d) todas as alternativas anteriores, mais uns tabefes na cara para ver se este alguém toma vergonha?
Pois é. Tem gente que, ao se tornar gestor público, fica com ideias de jerico deste tipo. Tipo assim, a Rio Film Comission. 
Vai aí um texto explicativo sobre o que é uma Film Comission. O texto é de um cineasta chamado Romeu di Sessa, a quem agradeço as explicações.

"Film comission não é só pra produção estrangeira mas nacional também, local, inclusive. Uma FC centraliza por exemplo os alvarás todos que são necessários pra uma equipe filmar. Então vamos dizer que eu, brasileiro nato e paulista, vou fazer um filme aqui em Sampa que tem uma cena que precisa fechar a Av. Paulista, e que depois vai ter um carro capotando e pegando fogo numa outra parte da cidade. Em vez de eu ficar correndo atrás de tudo, vou na FC paulista e consigo todas essas licenças, mais a ajuda do DSV e dos bombeiros pra filmar. Se uma equipe de Salvador vier filmar em Sampa, eles procuram a FC pra conseguir as mesmas coisas, mais indicação de hotel pra equipe se hospedar, mais o contato da Locall pra eles alugarem um estúdio. E assim por diante.
Quando você cria um sistema desse, você disponibiliza isso na Film Commission internacional, assim se alguma equipe de algum outro país (não precisa ser os EUA, pode ser o Irã também) vier filmar aqui, já sabe onde procurar ajuda. E tem a ver fazer isso, interessa pra todos. Vamos dizer que tenha uma equipe alemã querendo fazer um filme bíblico. Eles planejam filmar num deserto qualquer, no oriente médio. Aí chega a FC brasileira e mostra pra eles que fica mais barato e mais fácil filmar no Rio Grande do Norte, que eles vão contar com mais infra-estrutura, e não vão estar efetivamente no meio do deserto, ou seja fala pra essa equipe "filme comigo?". Pronto, todo mundo sai ganhando, a equipe alemã, o Rio Grande do Norte, o Brasil, os técnicos daqui, a figuração daqui, etc.
Fora que também pode ajudar não só pra achar "paisagens bonitas", pode ter uma equipe belga precisando de uma locação que seja um viaduto com 3 casas baixas, um largo no fundo, e um posto de gasolina à esquerda ou seja, uma locação qualquer bem específica, que por qualquer motivo fique mais fácil vir com a equipe e filmar aqui do que construir em estúdio. Tanto faz.
Essa história de que vem americanos pra cá pra destruir o cinema nacional, mais a flora e a fauna, e que uma film comission no fundo "vai ajuda-los" a fazer isso, você me desculpe a franqueza mas é um papo furado enorme. Primeiro porque não precisam vir americanos pra cá pra destruir nossa fauna, nós mesmos já fazemos isso com destreza. Depois porque certamente não são só equipes estrangeiras que podem fazer merda durante a filmagem. (até parece que ninguém aqui nunca marcou a parede de uma locação quanto colocou a barracuda...) e em última instância dá pra dizer que é exatamente o contrário do que você está falando, quer dizer, as equipes agem como agem porque não tem ninguém pra controlar. Uma FIlm Comission serve pra isso também, pra controlar o uso urbano. E óbvio, a partir dos NOSSOS interesses. Você achou mesmo que alguém ia se dispor a criar uma entidade pra servir a interesses contrários aos nossos, ambientais ou cinematográficos?
E só pra manter o bom humor, aqui você diz:
'O que eles querem é ganhar dinheiro'
Você fala isso como se você estivesse revelando um grande segredo deles...
Por favor, quem que você conhece que não quer ganhar dinheiro? :)
Legal, vamos pensar sempre em tudo, em todos os aspectos, mas por favor vamos nos basear em qualquer coisa que não seja só paranóia.
aBRaços
Romeu di Sessa"

Viram, sr. governador, sr. prefeito, sr. presidente da Riofilme, sr. diretor da Rio Film Comission (que já foi do escritório da MPAA aqui no Brasil)? É isso que uma Film Comission faz. Não é dar o meu, o seu, o nosso dinheiro para produções estrangeiras que vem filmar no Rio, mesmo as que tiveram dois terços de suas cenas externas filmadas em Porto Rico, e que só tiveram partes de paisagens filmadas no Rio para dar uma "cor local" (Velozes e furiosos 5). E espero que a Film Comission tenha cobrado do "engraçadíssimo" Sylvester Stallone (Os mercenários) o dinheiro que deviam a uma produtora brasileira, que trabalhou apoiando a produção do filme no Rio. Ou será que ainda estão dando o beiço?
Puxa, nem o Mayor's Office of Film, Theatre & Broadcasting (a Film Comission de lá) financia os filmes de Woody Allen realizados em Nova York. Por que temos de inventar esta moda?

19 julho, 2011

"HÁ A CRETINICE DE UM REGIME IMPOSSÍVEL..."

Para entender toda esta birosca.
Em O Globo de 15 de julho último, a repórter Cláudia Amorim  fez uma reportagem para o caderno Rio Show. Título: Mocidade independente. Subtítulo bem explicativo: A nova produção indie nacional turbina o circuito alternativo carioca de salas de cinema. (Aliás, só achei esta reportagem na versão impressa do Rio Show: na internet, o destaque são Harry Potter, Anima Mundi e Cilada.com. Se alguém puder me mandar o link, tudo bem.) Por circuito alternativo de salas de cinema cariocas entenda-se: o recém-reformado e reaberto Cine Joia (Copacabana), o Cine Glória (porororororó... na Glória!...), o Ponto Cine (até agora, o único da zona oeste, em Guadalupe), o Cine Santa (Santa Teresa), a sala de cinema do Instituto Moreira Salles (Gávea) e, last but not least, o Unibanco Arteplex e o circuito Estação.
E por cinema indie brasileiro entenda-se: filmes dos mais diversos gêneros (ficção, documentário etc.) e tendências, realizados coletivamente com poucos recursos (leia-se: com R$ 1 milhão de reais ou menos), via editais ou mesmo por conta própria (bons exemplos: Meu nome é dindi, de Bruno Safadi; Belair, do mesmo Bruno Safadi e Noa Bressane; A fuga da mulher gorila e o recente A alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande; e o recém-premiado no Festival de Paulínia Trabalhar cansa, de Marco Dutra e Juliana Rojas).
Na mesma ocasião, o blog de Carlos Alberto Mattos, um dos melhores críticos de cinema brasileiro, publica um artigo sobre a Programadora Brasil e seus resultados. Com a sua permissão, um trecho: "A Programadora Brasil está comemorando. Chegaram a 1500 os pontos cadastrados para exibição de filmes brasileiros em DVD. Se 480 municípios brasileiros tem salas comerciais de cinema, são 800 os municípios que que hoje contam com algum espaço destinado a exibições de material da Programadora. Do Amapá ao Rio Grande do Sul. O número de espectadores nas sessões chega a 380.000, sem contar cerca de 200.000 que frequentaram as exibições nos espaços SESC pelo país afora. São números que de fato merecem comemoração."
Isso poderia deixar feliz alguém que buscasse a diferença no mercado cinematográfico - tipo assim, o dirigente de uma distribuidora e órgão de fomento de filmes brasileiros, como a Riofilme, por exemplo. Certo?
Errado.
Sérgio Sá Leitão - jornalista, ex-aspone... digo, ex-assessor de imprensa da Ancine e, mais tarde, diretor da mesma Ancine (sem ter feito sequer crítica de cinema, quanto mais uma assistência de produção ou de direção em cinema, nem que seja para dizer que conhece um pouco de cinema) - é o presidente da Riofilme. E já provou várias vezes que deveria estar trabalhando em outro lugar - de preferência, na Fox, na Warner ou em qualquer outra filial de uma major norteamericana no Brasil - tamanha a (o termo é meio de esquerda, mas vá lá) colonização de sua cabeça. A seguir, o que ele escreveu em seu twitter sobre a reportagem do Rio Show de O Globo:

@ssl_riofilme Sérgio Sá Leitão
E o RioShow? Apesar de publicado no Globo, parece um fanzine. Ação entre (poucos) amigos. Ignora o pop e celebra o obscuro. Inacreditável…

@ssl_riofilme Sérgio Sá Leitão

No dia em que estréia um filme-evento como Harry Potter 7... E começa um festival internacional de animação que atrai 100 mil pessoas...

@ssl_riofilme Sérgio Sá Leitão
O fenomenal RioShow celebra na capa o circuito alternativo de cinema do Rio! Depois os jornais não entendem pq perdem leitores...

@ssl_riofilme Sérgio Sá Leitão
De modo geral, o "alternativo" é o "mainstream" no RioShow e no Segundo Caderno...

15 Jul via Twitter for iPad


Tudo bem se a opinião fosse do presidente da Fox ou da Warner no Brasil - afinal, eles é que tem a obrigação de defender seu peixe, de dizer que a galinha Legorne de seus países é melhor que a nossa galinha caipira ou a galinha d'angola...
O problema é que Harry Potter não é (ou não deveria ser) o peixe (ou a galinha...) preferencial do presidente da Riofilme - que, até onde sei, é UMA DISTRIBUIDORA DE FILMES BRASILEIROS e UM ÓRGÃO DE FOMENTO DO CINEMA CARIOCA.
Sei não, mas se eu fosse o dr. (?) Sérgio Sá Leitão, deveria ter achado o circuito alternativo e independente do cinema carioca tão ou mais interessante quanto Harry Potter. Do jeito que ele fala, até parece que o Rio Show fala da cena cultural alternativa (ou de cinema indie brasileiro) todo dia. E eu nem sei se ele sabe, mas é o contrário que se dá: geralmente o Rio Show se dedica mais ao mainstream do que ao alternativo, e talvez seja por isso que esteja perdendo leitores - especialmente os mais jovens e os que não estão tão aferrados ao mainstream. (Claro que a opção de ler notícias e artigos pela internet também colabora para isso.) E talvez seja por isso (sem querer defender O Globo, que ele não precisa e nem merece) que o Rio Show esteja fazendo o que qualquer órgão de mídia decente que trata de cultura deveria fazer: se interessar, até o seu alcance, por todos os assuntos ligados a ela, que interessam a todos os tipos de pessoas - os alternativos, os aferrados ao mainstream, os colonizados (como você), os não colonizados etc., etc.
(Ah, em tempo: Cinética e Contracampo não são blogs de cinema: são sites, revistas eletrônicas de cinema. Portanto, "crítica blogueira" é a p*#% que p@#&*!)
E filme não é só evento. Mas isso o dr.(?) Sérgio, mesmo não gostando, deveria ter obrigação de saber.
Ou será que a Riofilme não é mais uma distribuidora de filmes brasileiros, tamanha a preocupação dele e de outras "otoridades" em fazer do Rio de Janeiro uma ótima locação para filmes internacionais a qualquer custo, e não me avisaram?
Ou será que a Riofilme não é mais um órgão de fomento do cinema carioca, tamanho o desleixo com que trataram uma de suas próprias realizações, a Chamada Pública de Audiovisual - onde, se dependesse do dr. (?) Sérgio, todos os produtores cariocas de audiovisual que inscreveram algum projeto em suas linhas de ação (Desenvolvimento de projetos de longa-metragem; projetos de séries para TV; projetos de jogos eletrônicos; produção de Documentários para TV; produção de Pilotos e de Série de TV; produção de Curta Metragem; de mostras e festivais de audiovisual; e finalização de longa-metragem, mais o prêmio adicional para desenvolvimento de projeto multiplataforma) ficariam esperando Godot pelo resultado atrasado em todos os editais durante o resto do ano, porque estavam pensando em esperar a MTV se decidir no edital de pilotos de séries para TV, e só não o fizeram porque a galera chiou - e não me avisaram?
Falando sério, o dr. (?) Sérgio deveria mudar de emprego. Vai lá, dr. (?) Sérgio, manda seu currículo para Fox, para a Warner, para a Paramount... 


Ou fica aí, que dá no mesmo. O cargo de presidente da Riofilme não é eleito, é nomeado por quem realmente é eleito por voto dos cariocas - o prefeito do Rio, que só vê a cidade pela ótica (e a ideologia colonizada) da Barra da Tijuca, onde mora...
E não adianta muito esta história de "deixa estar, tem eleições no ano que vem": há sérias dúvidas se eleger um novo prefeito vai adiantar alguma coisa.
Além do atual prefeito (o chefe do dr. (?) Sérgio Sá Leitão), a mais forte candidatura da oposição em andamento nasce como fruto de uma aliança espúria entre (me desculpe, tá, Ziraldo?) um "menininho" e um "maluquinho". O "menininho" é o narcisista truculento Anthony Gargantinho; o "maluquinho" (que, na verdade, acho que é um psicopata) é Cesar Mala Sem Alça (o homem que quase matou a Riofilme de fome e os cariocas de dengue, durante um surto que ele se recusou obstinadamente a admitir que houve, senão teria de tirar recursos da Cidade da Música e pedir ajuda aos governos federal e estadual - do qual ele era opositor ferrenho - para combater o surto), e a tal candidatura promete juntar o filho de Cesar Mala Sem Alça, para prefeito, e a filha de Gargantinho, para vice. 
E o interesse deles e de seus filhos pelo cinema brasileiro e carioca é o mesmo interesse que eu tenho pela proctologia: nenhum. Ou seja, ruim do jeito que está, pior se mudar.

Tudo isso me traz à memória algo que um francês chamado François Truffaut disse em carta a Louis Marcorelles, durante a crise na Cinemateca Francesa.
(A crise foi assim: no início de 1968, gente do governo De Gaulle - mais propriamente, ligada ao ministro da Cultura, André Malraux - tentou manobrar para tirar Henri Langlois de lá e assumir o seu controle, mas a reação de todos os profissionais de cinema franceses foi tão forte que eles voltaram atrás. Maiores detalhes sobre como eles combateram este bom combate, ver o excelente livro Antoine de Baecque e Serge Toubiana, François Truffaut, uma biografia - Rio de Janeiro, Record, 1998)
Fala m. Truffaut:
Há a cretinice de um regime impossível, mas também o fato de que, de De Gaulle a Mitterrand e Deferre, e com a exceção do modesto Mendès-France, são muitos os supostos membros das 'elites' que nada entendem e jamais entenderão de cinema.
Basta mudar os nomes de De Gaulle, Mitterrand e Deferre por nomes de políticos brasileiros - e cariocas, em particular - e vai ver que é a mesma coisa. Há a cretinice de um sistema impossível, mas também o fato de que, de Dilma Rousseff a José Serra, passando por Sérgio Cabral, Eduardo Paes, Anthony Garotinho, Cesar Maia, Jandira Feghali, Marcelo Freixo etc., etc., etc., são muitos os supostos membros das 'elites políticas' (SIC) que nada entendem e jamais entenderão de cultura, quanto mais de cinema.
E o pior é que eles podem falar e fazer todas as m%*&@$ que bem entendem, porque sabem que nós, profissionais de cinema cariocas (e brasileiros, por que não dizê-lo?), não vamos imitar os cineastas franceses em 1968 e reagir fortemente a isso: vamos ficar na nossa, alguns só esperando o próximo edital (lá pelo ano de 2014, por aí), outros só seguindo a lei de muricy (cada um cuida de si).
Precisamos ser tão conformistas, tão capachildos assim?
Aguardo respostas - se houverem.

(Ah, em tempo 2: o acervo de Augusto Boal, um dos criadores do Teatro de Arena e criador do Teatro do Oprimido, vai deixar o Brasil - direto para New York University (EUA). Motivo: sua viúva, Cecília Boal, não conseguiu nenhum - repetindo: NENHUM - apoio das "otoridades" públicas brasileiras e da iniciativa privada brasileira para manter e cuidear de seu acervo aqui no Brasil.

Ou seja: há a cretinice de um sistema impossível, etc., etc.,...)

16 julho, 2011

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (IX)

Em homenagem aos ínclitos deputados federais membros da Comissão de Ética (?) da Câmara dos Deputados, que absolveram Jair Besteiraro - segundo eles, porque "Bolsonaro não poderia ser condenado à cassação devido a falas que seriam fruto de seu direito de liberdade de expressão" (como se declarações homofóbicas e racistas, especialmente contra Preta Gil, besteiras como "ditadura homossexual" e panfletos falando bobagens e mentiras sobre o kit antihomofobia fossem realmente "ideias" dignas de ser expressas, e levando em conta que a grande mídia não deu às pessoas que pensam contrariamente a ele o mesmo espaço e direito de resposta) - esta séria série dedica-lhes um filme que é a cara deles, igualmente homófobos: A gaiola das loucas - não a refilmagem americana, com Robin Williams e Nathan Lane, que é ruim de doer, mas o filme original (La cage aux folles - França-Itália, 1978), dirigido por Edouard Molinaro, com Ugo Tognazzi e Michel Serrault impagáveis nos papéis principais.
A origem do filme: uma comédia teatral de Jean Poiret, ator e autor do teatro francês - aliás, também encenada aqui no Brasil em 1974, com Jorge Dória e Carvalhinho nos papeis principais, que ficou sete anos em cartaz. (Algo me diz que o então oficial do exército Jair Besteiraro deve ter tido urticárias com este sucesso...) A vocação teatral desta história voltou a ser exposta quando se transformou em musical na Broadway, em 1983. (Alguém viu a excelente versão brasileira deste musical, com Miguel Falabella e Diogo Vilela à frente do elenco?)
A historinha do filme: era uma vez um casal homossexual formado por Renato Baldi (Ugo Tognazzi), o gerente de uma boate drag de Saint-Tropez, e Albin, aliás Zazá Napoli (Michel Serrault), a atração principal do estabelecimento. Até o dia em que Laurent Baldi (Rémi Laurent), único filho de Renato, nascido de seu único casamento hetero  volta para casa para anunciar que está noivo de Andrea (Luisa Maneri), filha do político ultra-conservador Simon (Michel Galabru). Com a ocorrência de um escândalo sexual em seu partido político, Simon decide casar sua filha com Laurent para poder fazer a mídia esquecer tudo. O problema é que M. Simon nem imagina como é a família do noivo...
Que Deus dê em dobro aos ínclitos deputados da Comissão de Ética (??????????) tudo o que M. Simon passou nas mãos de Renato e Zazá... Quem sabe assim se mancam e se lembram que a liberdade de expressão não foi feita para disseminar ódio e preconceitos.

13 julho, 2011

Emiliano Ribeiro (1963-2011)

Agosto ainda não chegou, mas já quer abusar do desgosto.
Informa-nos Marcos Manhães Marins, via e-mail:
"Chegou-nos a notícia de que o cineasta Emiliano Ribeiro foi
encontrado morto em sua casa.
Vamos aguardar que os amigos dêem mais detalhes tanto sobre a sua carreira profissional, em homenagem, como de como será a despedida. A princípio será cremado no Rio de Janeiro, amanhã. Quem pode especificar essa cerimônia melhor?
A tragédia foi muito maior, porque Emiliano não tinha uma doença aparente, e estava, junto com sua esposa, esperando um filho. A empregada entrou hoje e viu a cena.
Morreu dormindo na cama, e sua esposa ao encontrá-lo entrou em estado de choque, ficando ao seu lado por 48 horas, viva, mas sem se alimentar ou beber nada. E ela falece também, com o filho do casal dentro dela, a caminho do hospital, por desidratação.
(...)
Eu, particularmente, não era um grande amigo de Emiliano, mas tive contato com ele algumas vezes quando ele dirigia documentários para o NUTES (um setor audiovisual da UFRJ), e eu também dirigia (fiz 3 docs, ele deve ter feito 10) para a Universidade.
Na verdade, eu conhecia Emiliano de longa data, pois no I CURSO DE LINGUAGEM PARA CINEMATOGRAFIA ELETRÔNICA (acho que era esse o nome, não lembro), feito numa parceria com a EMBRAFILME, e promovido por profissionais da Globo para os profissionais de Cinema, eram alunos Sílvio Da-Rin, Emiliano Ribeiro, Ediala Iglesyas, Ignácio Parente, entre outros. Eu e o José Roberto Sanseverino fomos professores naquela nova forma de fazer cinema (nos idos de 1982).
Emiliano já fazia curtas. E recentemente tinha feito dois longas-metragens. Ver abaixo seu breve currículo.
E em 2006, participei com ele de um programa CURTA BRASIL na antiga TVE, hoje TV BRASIL do Rio, com Ivana Bentes, onde apresentamos curtas-metragens sobre João Cândido, o líder da Revolta da Chibata. Um grande debatedor.
Paro por aqui, certamente mais gente tem coisas interessantes para falar sobre Emiliano, o que prometia ainda fazer por esse Brasil, como Cursos com Phydias Barbosa, parcerias outras, projetos interrompidos prematuramente pela surpresa do destino. Um infarto? Um aneurisma? Não foi ainda feito o diagnóstico, e de fato, não importa. Fica na minha cabeça agora a bela imagem do filme Romeu e Julieta, onde o casal morre, um ao ver o outro morto. Que se encontrem no paraíso!
Forte Abraço, meus sentimentos à família.
Marcos Manhães Marins
CINEMABRASIL.org.br"
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Tudo o que conhecia de Emiliano Ribeiro era um curtametragem e um longametragem.
O curta foi João Cândido, o Almirante Negro (1987), docudrama sobre a Revolta da Chibata e seu líder, tendo como pretexto a encenação desta história num grupo de teatro num morro do Rio de Janeiro. (E que senhor grupo de teatro: ninguém menos que Nelson Xavier, Paulão e Antônio Pompeu faziam parte dele.)
O longa foi As meninas (1995) - adaptação do romance homônimo de Lygia Fagundes Telles. Na verdade, era um antigo projeto de David Neves (Memória de Helena, Muito Prazer, Fulaninha), que faleceu antes de concretizá-lo. Emiliano herdou este projeto e o levou adiante com poesia e galhardia. Claro que as excelentes atrizes que encarnaram as meninas - Adriana Esteves (Lorena), Drica Moraes (Lia) e Cláudia Liz (Ana Clara) -ajudaram muito, mas isso é outro assunto para outra ocasião.
Na verdade, há mais trabalhos realizados por Emiliano Ribeiro do que supõe a minha triste ignorância. O que me entristece são os planos que Emiliano Ribeiro ainda teria (e que não serão mais realizados), mais do que supõe a nossa vã filosofia.
Adeus, Emiliano Ribeiro. Descanse em paz.

10 julho, 2011

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (VIII)

Tem gente que se recusa a tomar simancol canforado. Anthony Gargantinho é um deles. Este narcisista truculento quer porque quer ser o primeiro presidente evangélico da República (ou o primeiro presidente da República Evangélica Brasileira?) e, nessa obsessão, passa por cima de toda e qualquer noção de moralidade -a mesma moralidade que faz os evangelicos barrarem toda e qualquer proposta em favor do povo LGBTS no Congresso Nacional e na Justiça. Fora a mania de insultar a inteligência dos outros, evangélicos ou não.
A Agência Estado, via Yahoo!, informa (http://br.noticias.yahoo.com/garotinho-insinua-dilma-sabia-corrupção-153100415.html):

Garotinho insinua que Dilma sabia de corrupção

O deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) afirmou ontem, em seu blog, que a crise no Ministério dos Transportes “nada tem a ver com combate à corrupção e sim com a proximidade do julgamento do mensalão”. A teoria dele é que o mensalão só está no STF por causa de dois indiciados - Valdemar Costa Neto e João Paulo Cunha. Se Costa Neto “for atacado com denúncias e renunciar ou for cassado e se Cunha deixar a Câmara para se candidatar a prefeito de Osasco, o processo terá de ser reiniciado na primeira instância, o que levaria à prescrição dos crimes”.

Garotinho chama de “inacreditável” o modo como tudo aconteceu. E pergunta: a presidente Dilma, como ministra, “não sabia da corrupção nos Transportes? Ou sabia, contou a Lula e ele não tomou providência nenhuma?”
Ele também estranha que o escolhido de Dilma, Paulo Passos, sendo secretário-executivo, não soubesse de tudo que ocorria no ministério. “Ele não viu nada, não sabe de nada? Não dá para condenar uns e absolver outros. Ou todos são inocentes ou todos são culpados”, afirmou.

Então tá, doutor Anthony Gargantinho. O senhor não acredita que a presidente Dilma Rousseff não sabia das falcatruas dentro do Ministério dos Transportes, e realmente é difícil não acreditar nisso.
Tudo bem, é direito seu.
Eu também não acredito que, durante seus dois (des)governos no estado do Rio de Janeiro (ou vocês acham que a esposa Rosinha Matheus Gargantinho realmente governou o estado, tendo o senhor por trás do trono?), o senhor não percebeu o propinoduto que o doutor Silveirinha montou dentro da Secretaria de Fazenda.
Também não acredito que o senhor não percebeu que as ONGs que doaram dinheiro para a sua malograda pré-campanha para presidente da República, em 2006, eram, por coincidência, prestadoras de serviços para o estado do Rio de Janeiro (Aliás, serviços mesmo elas não prestaram, mas receberam do erário fluminense do mesmo jeito.)
E nem acredito que o senhor não percebeu que a banda podre do aparelho policial fluminense se organizou nas malfadadas milícias, que exploram comunidades carentes tanto quanto o tráfico, e agora estão metidas com agiotagem.
Falando sério (e à la Leonel Brizola): francamente... francamente!... Precisamos de um Edward R. Murrow ou de um Joseph Welch para enfrentar este aprendiz de macarthista chamado Anthony Gargantinho.

Pai dos Burros e Desinformados:
Edward R. Murrow era um jornalista admirado por sua honestidade e integridade – admiração surgida durante seu trabalho como correspondente de guerra, transmitindo notícias pelo rádio durante a II Guerra Mundial. Ora, quem enfrentou uma guerra não iria ter medo de um demagogo chamado Joseph McCarthy. E não teve mesmo: já como âncora de televisão na rede CBS, Murrow enfrentou McCarthy e sua central de histeria montada na Comissão de Atividades Antiamericanas do Senado americano. Ele e a televisão desmontaram o bicho-papão que McCarthy se tornou.
Joseph Welch era um dos mais eminentes advogados norteamericanos. Em 1954, foi chamado pelo Exército dos EUA para defendê-lo das acusações de McCarthy. E conseguiu desmontá-lo via televisão com uma simples e memorável frase:
"Acredito que eu nunca havia realmente avaliado a sua crueldade e a sua imprudência. Será que o senhor não possui o mínimo senso de decência? Será que, depois de tanto tempo, não lhe restou um pouquinho de decência?"
Será que não vai surgir nenhum Murrow ou um Welch que chame este narcisista truculento chamado Anthony Gargantinho na chincha, que o encare, e lhe pergunte: será que o senhor não tem nem um mínimo senso de decência?

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Enquanto não aparece um Murrow ou um Welch brasileiro, mudemos um pouquinho de assunto. Ou nem tanto.
Por curiosa coincidência, na mesma época em que Mr. McCarthy fazia misérias (mesmo), que um rapaz chamado Roy Harold Scherer Jr. começava a se tornar famoso como ator em Hollywood, com o nome artístico de Rock Hudson. Um galã que era a quintessência da masculinidade. A subcultura LGBTS de Los Angeles sabia que, em se tratando de Rock Hudson, a história era outra. Mas esta outra história só viria à tona em 1985, quando Hudson assumiu publicamente que tinha o vírus da AIDS e, de quebra, sua homossexualidade.
Antes que o gentil leitor o condene por hipocrisia, um lembrete: Rock Hudson começou sua carreira num tempo em que a homossexualidade era considerada crime e perseguida pela polícia. Se havia tão pouca vontade com a esquerda – ou com o que o conservadorismo político norte americano considerava como esquerdista (onde já se viu um país como os EUA não ter um serviço público de saúde para os pobres e os sem-dinheiro? Pau no Tea Party, Obama!) – imagine-se para a homossexualidade. Certo, em 1969 houve a revolta de Stonewall, em Nova York, contra os desmandos da polícia sobre o povo LGBTS. Mas a esta altura, já era tarde para Hudson voltar atrás.
Logo, a nossa indicação para esta séria série não poderia ser outra: Saia justa (Straight-Jacket, EUA, 2004) de Richard Day. Breve sinopse desta comédia divertidíssima:
Hollywood, década de 1950. O astro de cinema Guy Stone (o sobrenome não lhe lembra alguém?) é o sonho de toda a mulher americana... apesar de ser homossexual. Ele é forte candidato ao papel principal de uma nova versão de Ben-Hur. (Gozação com Charlton Heston, protagonista da segunda versão, de 1959, e venerando presidente, até o fim da vida, da National Rifle Association, o lobby de defesa do direito de todos, inclusive os psicopatas, de portar armas? Ou homenagem a Ramon Novarro, protagonista da primeira versão, de 1925, que também era homossexual?). O problema é que, durante uma batida policial em um bar gay em Los Angeles, ele é preso e fotografado por um jornalista de uma publicação sensacionalista. Para salvar as aparências, o estúdio faz com que Guy se case com Sally, secretária do estúdio, a fim de esconder sua homossexualidade. Mas Sally não tem idéia de seu casamento é uma farsa, e transforma a vida de Guy de cabeça para baixo. A partir daí...
A partir daí, se quiser saber o resto da história, insista com alguma distribuidora para que o lance aqui nos cinemas do Brasil. Por enquanto, fiquemos com o trailer.